quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Marinheiro de Primeira Viagem - Experiências de um novo fotógrafo nos mares da vida




MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM
- Brasileiro a bordo -


Introdução à vida a bordo

            Quando foi confirmada, por meio de um e-mail de convocação, minha nova jornada profissional como fotógrafo, resolvi escrever um e-mail aos amigos informando-os da minha decisão. Neste informativo chamado Brasileiro à Bordo - Marinheiro de Primeira Viagem – Preparativos, eu lhes explicava todo o processo que me levou a embarcar para trabalhar a bordo de navio de cruzeiros.
            Relatava sobre os três anos trabalhando com operacionalização de turismo receptivo no Terminal de Passageiros em Santos e sobre os profissionais que me perguntavam se eu gostaria de trabalhar em navios de cruzeiro. Também sobre as fotografias, que eu tirava em Santos destes transatlânticos que passavam na Ponta da Praia com o intuito de colocar no meu aposentado site de turismo (www.parceirosdoturismo.com.br).
       Posteriormente, no próprio Concais (o terminal de passageiros), encontrei com uma amiga que trabalhava com cursos de capacitação profissional, que comentou que estava ali "embarcando" um fotógrafo. Ela disse que eu poderia tentar fazer o mesmo.
Fiquei interessado sobre essa possibilidade de trabalhar em uma nova profissão. Por isso, fui atrás de informações para saber como era o trabalho e como ingressar no processo de seleção.
Confirmei minha decisão de tentar seguir este caminho depois de ter lido um artigo de jornal fornecido por meu pai, sempre atento aos jornais, no qual era informado que seria aberto um novo processo de seleção para fotógrafos de navio.
            Assim que passei pela pré-seleção, numa das agências de recrutamento de Santos, a Infinity, decidi estudar fotografia. Recorri a alguns entendidos do assunto que me forneceram apostilas e informações importantes. Também fiz umas aulas particulares para conhecer na prática os recursos da Nikon D70 (câmera que era utilizada no trabalho dia-a-dia).
A seleção final foi feita por selecionadores da Image, empresa americana que, naquele momento era a maior detentora de concessões de serviços fotográficos para transatlânticos do mundo. Durou dois dias e ocorreu em um hotel em São Paulo.
Éramos treze pessoas no primeiro dia, quando foram apresentadas informações sobre o trabalho e sobre remuneração. Eles deixaram claro que a remuneração era baseada em comissão, e que, devido ao grande investimento (uniforme, câmera fotográfica e passagem internacional para Miami, por exemplo) os ganhos reais, do primeiro contrato exercendo a função de fotógrafo júnior, não seriam tão expressivos.
O impacto da palestra gerou resultados: no segundo dia éramos apenas oito pessoas, já que alguns desistiram.
O processo de seleção era muito detalhado. Fazíamos inúmeras avaliações. Porém, em minha opinião, o mais difícil foi optar por embarcar em um longo caminho de comprometimento. Notava-se que eles nos testavam para identificar qualquer sinal de que não seríamos capazes de levar o contrato até o fim. Aliás, eles comentaram que o interesse era que a pessoa ficasse no mínimo de três a cinco anos.
Nesse contexto posso dizer que essa foi uma das decisões mais difíceis que tomei. Estava namorando havia algum tempo, estava desempregado e já havia gastado uma quantidade razoável de dinheiro no processo de seleção.
Por outro lado, maravilhei-me ao ver as fotografias apresentadas em um das palestras que mostravam locais onde os tripulantes podiam visitar. Sabia que poderia estar em contato com pessoas e culturas de todo o mundo e que, como conseqüência, enriqueceria minha pessoa e meu currículo.
            Calculei as perdas e os ganhos, segui minha intuição e continuei firme na decisão, mesmo havendo uma remota possibilidade de arrependimento no ar. Depois deste último processo soubemos que apenas seis candidatos estavam selecionados. Eu era um deles!
             Fomos, então, para um bar na Vila Madalena para conversar. Apesar de todos eles terem passado algumas pessoas não estavam convencidas de que aquele era um bom negócio.  Uma delas dizia que podia ganhar mais no Brasil. Outro que, por estar com 30 anos e, tinha medo de que o “tempo passasse”, e na volta, suas possibilidades no mercado de trabalho diminuíssem devido a sua idade.
Eu estava tranqüilo, ciente de ter iniciado um processo que deveria ser concluído. Também tinha meus receios, como o de me distanciar de minha namorada (essa era a maior preocupação) ou de deixar de lado possibilidades de trabalho no turismo de Santos, minha cidade. Porém, apresentava-se à minha frente uma enorme chance de conhecer o mundo e aprender uma nova profissão.
            No final, somente três fotógrafos aceitaram o desafio: eu, Gerusa e a Memphis. Já me sentia um vitorioso e apto a continuar enfrentando os próximos desafios.
            Passados praticamente quatro meses, vários exames médicos, e outros cursos como o de “Segurança Marítima e Vida à Bordo” e a canseira para conseguir o visto americano; enfim, minha viagem estava definida para domingo, dia 23 de julho de 2006 com destino a Miami, onde faria ficaria uma semana e faria um curso de cinco dias para aprender sobre o trabalho de fotógrafo dentro dos navios.
            A sorte estava lançada!
           

  
Baseado no relato parcial escrito em:
11 de setembro de 2006.

“Vou tentar relatar parte desta experiência inicial de aproximadamente 2 meses. Este período foi  muito intenso. Pessoas, lugares, rotina de trabalho e estilo de vida. Muitas novidades!”


Treinamento em Miami

Lembro-me da emoção ao sair de ônibus, de Santos, com a namorada e a família, mãe, pai e madrinha, com destino ao aeroporto de Guarulhos onde pegaria o vôo para Miami. O frio na barriga que dá ao deixar a proteção e o conforto de estar com a família e, ao embarcar numa viagem que deveria durar 8 meses, sem saber quais dificuldades poderia passar.
Despedi-me de todos no aeroporto de Guarulhos, de onde saiu o vôo para Miami.

Depois de tomar uma canseira para entrar nos Estados Unidos, peguei um traslado do aeroporto para o hotel La Quinta, junto com a Gerusa, outra brasileira que estava na mesma aventura.
Chegando ao hotel nos deparamos com soldados americanos, que estavam fazendo um curso e depois iriam para o Iraque. Achei aquela cena muito diferente. Guardando as devidas proporções, sentia-me como um deles, já que também estava indo para um local desconhecido.
Fui para meu quarto e lá estava o meu primeiro “room mate” (companheiro de quarto), um filipino. A partir de então fui conhecendo um à um dos fotógrafos selecionados pela Image, vindos das mais diferentes partes do mundo. Era o primeiro contrato de todos os fotógrafos. Por isso nós compartilhávamos expectativas e informações sobre como seriam nossas vidas dali em diante. Sabíamos apenas que cada um ia para um navio diferente, que estava em algum lugar do mundo.
Algo que não se pode deixar de citar sobre Miami é que este local é exemplo de como às vezes o capitalismo funciona de forma excessiva e inconsciente. Qualquer coisa que você vai comer é embalada em um saco plástico, os próprios talheres são de plástico… nas ruas, enormes carros consomem excessiva gasolina e, nas lojas, os preços dos aparelhos eletrônicos são tão baratos (mesmo convertendo o valor em Reais) que levam as pessoas a jogar fora os que possuem por considerá-los como desatualizados. Tudo é descartável.
Passamos bons momentos em Miami. Fiz compras, jantei na rede Hooters e passeei por alguns lugares.
No penúltimo dia do treinamento da Image fui chamado pela gerente de recursos humanos, a Janet Martin, para conversar em particular.
Ela me comunicou que devido a uma emergência eu teria que viajar no dia seguinte para Dublin (Irlanda) para trabalhar no navio Jewel of the Seas, um dos mais novos navios da Royal Caribbean (inaugurado em 2004) naquela época. 
 Fui o primeiro a receber a confirmação para qual navio iria. E a partir daí o sentimento experimentei naquele momento é difícil descrever. Lamentava em ter que deixar Miami e os novos colegas de forma tão rápida, porém, ao mesmo tempo, sentia uma intensa felicidade por descobrir meus primeiros roteiros (ambos com 12 dias de duração). Visitaria países que jamais imaginaria. Confesso que chorei por ver o futuro ser revelado e por sentir-me abençoado.   


Os Roteiros do Jewel of the Seas no Norte da Europa

Roteiro 1 - Harwich (Inglaterra), Dublin (Irlanda), Glasgow (Escócia), Bergen, Geiranger e Flam (Fiordes na Noruega), Amsterdã (Holanda).

Roteiro 2 - Harwich (Inglaterra), Oslo (Noruega), Copenhague (Dinamarca), Estocolmo (Suécia), Helsinki (Finlândia), São Petersburgo (Rússia) e Talim (Estônia).

 Na Image havia um painel de fotografias feitas por profissionais da empresa nas mais diversas partes do mundo. Perguntei para a Janet se havia alguma da Irlanda, seu país. Como ela disse que não, prometi que providenciaria uma.
           

A Viagem e o Embarque

            No dia seguinte saí de Miami com destino a Londres onde peguei uma conexão para Dublin, a capital da República da Irlanda. Com o dia frio e chuvoso peguei um táxi, dentro da área do aeroporto, para o navio onde entraria com o cruzeiro já iniciado, já que o porto de embarque era Harwich.
            Assim que me deparei com o navio pude sentir o tamanho da responsabilidade que estava a minha frente.
Cheguei ao navio dia 29 de agosto e fui recebido pelo gerente do laboratório de fotografia que, depois de me auxiliar nos trâmites burocráticos do navio, tais como tirar foto e entregar meus exames médicos, me levou para fazer um mini tour. Conheci minha cabine, o laboratório, a galeria de fotos, onde passaria a maior parte do trabalho.             Meu primeiro companheiro de quarto (cabin mate) era um outro fotógrafo, romeno, que estava no final de seu contrato.
            Mal cheguei e fui colocado, como se diz na gíria do futebol, na “fogueira”. Tinha que atender os clientes na galeria sem saber os códigos das diferentes fotos e produtos a serem lançados no computador, tirar fotografias nos jantares de gala e nos estúdios (onde eram tiradas fotos com fundo fotográfico), além de ter que montar e desmontar os mesmos. Foi necessário aprender também a montar os flashes de apoio e, configurar as câmeras que utilizava (tinha duas emprestadas pela companhia). Ou seja, tinha que me adaptar rápido a tudo aquilo sem ter experiência aprendendo as infinitas informações sobre o trabalho.
            Isso, sem contar que tinha que participar dos drills, treinamentos de segurança que são exigidos em todas as companhias de cruzeiro, direcionados a todos os novos tripulantes, além de obter informações necessárias para viver a bordo.
            Alguns dos companheiros de trabalho estavam prestes a terminar seus contratos e, talvez por isso, não tinham paciência para me explicar tudo o que eu necessitava saber para não cometer erros. Senti uma grande falta de empatia e compreensão. Um ambiente, às vezes, hostil a minha presença.
Neste início, devido a todo este contexto e a minha falta de experiência em fotografia, tive momentos muitos difíceis. Não me dava bem com meu companheiro de cabine e não me sentia bem-recebido no trabalho. Não lembro em ter pesado em desistir, porém estava passando apuros no início, que é o momento crucial para a adaptação.
Recebi a notícia que minha namorada, como planejava, conseguiu o visto,  largou o trabalho que tinha a mais de quatro anos e embarcou com destino a Austrália para estudar inglês.
Os grandes motivadores que me faziam “segurar a onda” eram os locais que estava podendo conhecer. 
 Porém aos poucos as coisas foram ficando melhores. Novos companheiros de trabalho vieram e minha personalidade foi aparecendo de forma a conquistar a confiança de alguns.
Não posso deixar de citar duas queridas companheiras de trabalho: a Helena (que foi transferida a partir de outro navio e que participou comigo no treinamento em Miami), uma irmã por consideração e, a doce Sandra, ambas croatas.
No terceiro cruzeiro fui considerado o melhor vendedor, recebi bons comentários dos hóspedes e, por isso, recebi um prêmio da Royal Caribbean:  um cartão-brinde para raspar e descobrir o brinde.
Ganhei uma toalha com o logo da empresa, onde estava expresso o reconhecimento de excelência em serviço. Aquilo me motivou!
Minha vida no navio era muito agitada. E depois do trabalho de em média 10 horas por dia, um descanso no Crew Bar era inevitável. A vida noturna no Jewel também é bastante agitada. Além do bar aberto todos os dias, tínhamos também inúmeros eventos festivos. Despedidas de pessoas, festas temáticas, dias de celebração de fatos históricos como o da Independência da Jamaica, da Índia e de Trinidad e Tobago, faziam com que tivéssemos festas com boa freqüência. Tais eventos eram ótimos para aproximar os tripulantes de mais de 60 nacionalidades.
No lugar do companheiro romeno chegou um novo fotógrafo filipino. Ângelo Paqueo passou a ser o meu novo companheiro de quarto. Extremamente religioso ele não bebia e não gostava de festa. Tínhamos um bom relacionamento apesar de não sermos muito próximos. 
Com relação à comida eu não podia reclamar.  Pelo contrário, só elogiar. Como o fotógrafo é classificado como Staff, e não Crew, eu podia utilizar um refeitório diferenciado. Mas mesmo o outro refeitório tinha uma comida muito boa.
Faço aqui um adendo para comentar sobre as categorias dos profissionais de navio. Geralmente dividem-se entre: Crew, Staff e Officers. Cada categoria com suas regras que ditam onde podem circular e onde podem se alimentar, por exemplo.


O Norte da Europa

            Sem dúvidas, visitar a Europa era o que eu mais queria. Só não me passava pela cabeça, como já comentei que poderia visitar o norte do continente, os países escandinavos e a Rússia. Parecia um sonho!
            Comecei a trabalhar no final da temporada européia de verão.

Roteiro 1
O primeiro local que pude visitar foi Glasgow, uma cidade muito antiga. Tirei várias fotos interessantes. Recordo-me muito bem deste dia, pois prestava atenção em tudo e não queria tirar o olho da janela do ônibus. Junto com a companheira de trabalho Sandra e, Jason um outro colega do Broadcast, fomos até um pub tomar uma cerveja local. Estava encantado com tudo aquilo.

            A próxima parada foi num país que se tornou extremamente especial para mim: a Noruega. O país possui o maior nível de qualidade de vida do mundo.
            Neste roteiro tivemos três paradas em três cidades diferentes, localizadas nos espetaculares fiordes: Bergen, Geiranger e Flam.
            Em Bergen, a segunda maior cidade do país, fiz uma caminhada até o topo de uma montanha com minha nova amiga, a brasileira Leila que trabalhava no departamento de excursões. A cidade é a que tem maior quantidade de chuvas em toda a Europa.
            Como as duas outras cidades localizavam-se no interior dos fiordes paramos ancorados e, para o desembarque de passageiros na vila de Flam, pela primeira vez, pude acompanhar como é feito o transporte por meio de lanchas, os tenders.
            Geiranger recebe mais de 150 atracações de cruzeiros ao ano e é considerado pela UNESCO, Patrimônio da Humanidade.
            Em ambos locais tive a sorte de, a trabalho, acompanhar os grupos de excursões. Os tours foram ótimas oportunidades para conhecer esses lugares paradisíacos de paisagens alucinantes. Melhor ainda foi não ter que gastar nenhum centavo neste país de custo de vida tão alto, onde uma coca-cola custa em tono de seis dólares. Mesmo tendo adquirido alguns Kroners (moeda local), dava pena gastar dinheiro na Noruega.
            Amsterdã! Todos sabem que a Holanda é um país extremamente liberal. Nos coffee shops, por exemplo, a maconha é liberada.
            Como não tinha muitas horas para aproveitar sai sem esperar companhia. Peguei um trenzinho para o centro e lá encontrei uns colegas do navio que disseram que eu deveria ir conhecer o famoso Red Light District. Reparei que era imenso o número de pessoas com estilos diferentes por ali. Como estava com sede parei para tomar uma Heineken, a cerveja local conhecida internacionalmente. Não preciso nem falar o que encontrei por lá.
            Na rua, conheci um cara muito legal que me levou para alguns lugares da cidade, depois de eu ter comentado com ele que tinha levado algumas camisas do Brasil, com o intuito de vendê-las.
            Não fui bem sucedido na venda, despedi-me do rapaz e voltei para o navio aproveitando para tirar fotos durante o caminho. Reparei que o transporte por bicicletas é bem utilizado por ali. Na verdade Amsterdã é o centro mundial das bicicletas com aproximadamente 700 mil ciclistas.
            Após dois dias de navegação, retornávamos a Harwich, uma pequena cidade no sul da Inglaterra, que era o porto oficial de embarque e desembarque de todos os roteiros do Jewel of the Seas fazia no norte da Europa.


Roteiro 2
            Realizamos três cruzeiros consecutivos
            Partíamos sempre de Harwich onde, quando tínhamos tempo livre, aproveitávamos para ir ao supermercado comprar mantimentos, ou seja, chocolates, bolachas e afins. Tais alimentos não perecíveis são permitidas nas cabines e são bem-vindos nos momentos em que o Crew Mess (restaurante) não está em funcionamento.
            Por questões de saúde a entrada de alimentos perecíveis é proibida.
            Neste segundo roteiro a primeira parada era em Oslo. Voltava a passar pela Noruega. Por ser a capital do país, a cidade tem um perfil urbanizado. Logo em frente ao local do porto onde atracávamos estava a fortaleza de Akhersus, de mais de 700 anos. Determinado dia resolvi descalçar em um dos seus belos jardins e, acabei dormindo. Percebi que na Europa deitar nos jardins dos parques e praças é uma coisa natural, enquanto que no Brasil, geralmente, as pessoas que passam acham estranho. Se um guarda do local passa, é capaz de pedir para que a pessoa se levante.
            Como curiosidade, em Oslo é entregue o Prêmio Nobel da Paz.
            Após Oslo chegávamos a Copenhague, Dinamarca. Um dos locais que mais aproveitei, pois pedi para participar em algumas tardes, as excursões do navio. Nelas eu deveria auxiliar o guia local no que fosse preciso. Visitamos museus muito interessantes, castelos e outros “equipamentos turísticos”. Um dos atrativos mais famosos é a estátua da Pequena Sereia (The Little Mermaid), personagem do conto de Hans Christian Andersen.
            Em uma de nossas passagens, por conta própria, fui ao Tivoli Gardens, um belo parque com inúmeros atrativos e, ao museu de cera onde tirei fotos com Michael Jackson, Gandi e João Paulo II.
            Copenhague é a cidade mais visitada dos países nórdicos e foi considerada, pelos seus turistas, a cidade mais limpa da Europa.
            Na seqüência chagávamos à Estocolmo, a capital da Suécia e uma das cidades mais bonitas do roteiro. A cidade e construída sobre ilhas e por isso é conhecida como a “Veneza do Norte”. Ao passear pelo local observa-se sua arquitetura imponente e um charme peculiar.
            Em uma de nossas passagens foi marcado um jogo contra os tripulantes do navio Norwegian Dream, num campo alugado pelo navio. Vencemos por 5 a 2, com um gol que fiz praticamente do meio do campo. Aquele que até Pelé tentou.
            Helsinki, a capital da Finlândia, também não fica atrás. É uma cidade moderna e muito bonita. Saí com meu companheiro de cabine e de trabalho, o filipino Ângelo Paqueo, para passearmos a pé e tirar fotos. Em outra passagem também pude jogar futebol por ali, porém infelizmente perdemos a partida.
            Lembro-me que quando estávamos nesta região neste período do ano, reparávamos que eram poucas as horas que o sol desaparecia do céu. Diria que cerca de quatro horas. Quase não havia noite.
            O melhor local deste cruzeiro principalmente por suas peculiaridades foi a Rússia. São Petersburgo deixou de ser capital do país em 1918 após a revolução russa de 1917. Em min há concepção é um local extremamente diferente com marcas do sistema socialista muito presentes.
            São Petersburgo, na época chamada Leningrado, foi cercada e destruída por tropas alemãs durante a segunda guerra mundial. 
            Tivemos três pernoites e muito tempo livre para converter dólares em Rublos e gastar com souvenires, passeios e na balada. Para irmos à cidade, tínhamos que registrar a entrada no país num posto policial e depois passar por um posto de controle. Isso trazia um clima diferente ao meu primeiro contato com um local onde reinou durante muito tempo o sistema socialista.
            Quando chegávamos à Rússia íamos até o laboratório de fotografia para nos fantasiar. Vestia-me de soldado russo e no trabalho encenava fingindo que era de fato um soldado com cara de mau. Abordava os hóspedes americanos falando um inglês com sotaque russo e pedia para tira foto com eles. Foi um sucesso de diversão e de vendas. Devo estar ainda hoje no lar de muitos americanos.
            Participei de uma excursão que o intuito era o de conhecer a vida cotidiana dos citadinos locais. Visitamos o famoso metrô de São Petersburgo que transportava cerca três milhões de pessoas por dia e, que tinha inúmeras obras de arte. Fotografar era proibido. Nesta excursão fomos também a um mercado municipal onde pudemos conhecer os ingredientes utilizados na gastronomia local.
            Em uma excursão noturna, fui a um espetáculo folclórico onde através de danças apresentavam a cultura local.
            Visitei também o Black Market (Mercado Negro) onde era imensa a oferta de produtos piratas. Impressionei-me ao ver armas serem vendidas a céu aberto.
            A noitada de São Petersburgo é algo único e quantidade de belas mulheres é impressionante.
            Somente depois de uma pesquisa mais apurada, recentemente, descobri que a cidade é perigosa. São inúmeras as gangues locais e os casos de violência com motivação de preconceito racial contra estudantes estrangeiros e turistas.
            Apesar deste perigo, com certeza, São Petersburgo foi o ponto alto deste roteiro.
            A última cidade a ser visitada era Talim, na Estônia. Lá há um belíssimo centro antigo, com arquitetura que herdou do tempo de domínio russo, repleto de ladeiras e vielas. E, também, um centro novo com shopping centre e prédios modernos. 
            Fizemos este roteiro por três vezes. No último, ao retornarmos a Harwich, encerrava-se a temporada européia e começava o cruzeiro de travessia com sentido aos Estados Unidos, país onde se localiza o escritório da Royal Caribbean.      Deixaríamos o oceano Ártico, entraríamos no Atlântico para chegarmos a Saint John’s no Canadá. Posteriormente, chegaríamos à Boston, o novo home port (porto de embarque e desembarque) dos roteiros que visitam cidades pertencentes aos Estados Unidos e ao Canadá.
 
           
           
Baseado no relato parcial escrito em:
23 de outubro de 2006.
(Passado aproximadamente um mês e meio).


A Travessia para a América do Norte

Após o encerramento dos cruzeiros regulares na Europa descritos anteriormente, nosso navio, o Jewel of the Seas, realizou o crossing, viagem de travessia entre os continentes, fazendo algumas paradas programadas.
Primeiro passamos por uma pequena comuna francesa chamada Cherbourg que fica no norte do país, na região chamada Baixa-Normandia. O local é um grande pólo de construção naval.
 Em um dia cinzento, parte da equipe de fotógrafos saiu junta para passear e, parar em um típico bar francês para tomar vinho e comer pão com queijo. Ficamos sentados conversando e observando as pessoas caminhando. Um programa bem relaxante.
Ancoramos em Plymouth, no sudoeste da Inglaterra, em um dia estava chuvoso e frio.  Ao mesmo tempo em que é prazeroso dar uma volta de lancha antes de trabalhar, o transporte torna o processo de desembarque mais lento. Como tínhamos que aguardar a chegada das lanchas com os turistas, o trabalho levava mais tempo. Depois de tirar um mínimo estabelecido de fotos tínhamos que voltar para levar os equipamentos para o navio. Geralmente almoçávamos e depois saíamos para visitar as localidades.
            Neste dia estava muito cansado e como a chuva não ajudava resolvi ficar pelo navio.
            Mas uma parada em Glasgow, outra na cosmopolita Dublin, onde participei de uma excursão que visitou a famosa catedral de Saint Patrick e a histórica Universidade de Dublin.
            Por último, paramos em Cork, no sul da Irlanda. Estávamos em um grupo de tripulantes. Pegamos o transporte gratuito fornecido pelo navio até o centro e, de lá, uma van em direção ao antigo castelo de Blarney. Lá como pede a lenda beijamos a Pedra da Eloquência para nos beneficiarmos deste dom. Muita diversão! 
E enfim, de fato começaram os dias de navegação do meu primeiro crossing. Foram dois dias de duração até o continente norte-americano. Lá começaríamos o novo      roteiro chamado New England/Canadá, território no qual foi iniciada a descoberta e a colonização dos dois paises (Estados Unidos e Canadá).
Durante a travessia tivemos uma noite de mar revolto que levou muitos dos hóspedes e tripulantes a passarem mal. Esta foi a minha primeira experiência enfrentando um mar revolto. Passei mal, mas depois de deitar-me algum tempo melhorei.
Chegamos a Saint John´s, estado de New Found Land and Labrador, Canadá. O local é considerado o mais antigo povoado britânico, na América do Norte, a ter se transformado em cidade. Fizemos uma caminhada pelo Signal Hill, um conjunto de montanhas localizadas em frente ao oceano e, visitamos a um farol que contava a história local e a evolução nos meios de comunicação que facilitaram a colonização pelos ingleses. 

 

Canadá and New England - O Roteiro do Jewel of the Seas na Costa Leste América do Norte
           
            Os cruzeiros tinham duração variada com passagem pelas seguintes localidades: Boston (Massachussets), Martha’s Vineyard (Massachussets), Portland e Bar Harbor (Maine), nos Estados Unidos e; Saint John (New Brunswick) e Halifax (Nova Escócia), no Canadá.
           
            A temperatura média nestas cidades foi um pouco mais baixa. Em algumas manhãs, logo cedo, tínhamos que trabalhar em dias chuvosos e frios. No geral, as cidades com exceção de Boston e Portland são menores e com menos número de habitantes do que as da Europa.
            Boston merece destaque por ser uma metrópole tipicamente americana. Possui um moderno planejamento urbano, com prédios de arquitetura contemporânea que abrigam, em sua maioria escritórios de negócios.  Tem uma população de aproximadamente seis milhões de habitantes e muitos imigrantes brasileiros.
            Bar Harbor e Martha’s Vineyard, por exemplo, são locais extremamente turísticos com casas de veraneio e “vida local” limitada ao período de férias.
            Passeei bastante em Bar Harbor a pé onde fiz alguma trilhas. E em uma das visitas à colorida Martha’s Vineyard, aluguei uma scooter e saí sozinho para explorar o local.
            Em Portland, no estado de Maine, comprei meu primeiro notebook que foi muito útil para escrever meus relatos de viagem. Na época, me recordo que refletia que se estivesse trabalhando no Brasil levaria quase um ano para poder comprar um.
            Neste roteiro pude conhecer o Canadá, um país bem desenvolvido. Tanto em Saint John como em Halifax me limitei a fazer passeios a pé para tirar fotos. Utilizava parte do tempo livre em cafés para abrigar-me do frio e para usufruir de internet gratuita.
            Saint John fica do estado de Nova Brunswick e, é o maior pólo industrial do país na costa atlântica. Já, Halifax e a capital da província da Nova Escócia pude conhecer uma bela fortificação em formato de estrela que fica no topo de um monte, bem próximo ao centro.


Os Hóspedes do Jewel of the Seas


            Com relação ao perfil dos hóspedes, tanto nos cruzeiros do Norte da Europa como estes entre o Canadá e os Estados Unidos, a faixa etária era composta em sua grande maioria por pessoas da terceira idade.
            Ao contrário do que ocorre no Brasil, nos países de primeiro mundo há uma condição digna para aqueles da “melhor idade” viverem até o resto de suas vidas. Desta forma, esses estão aptos a usufruir os prazeres da vida como comer bem, conhecer diferentes países ao redor do mundo, ou simplesmente, ouvir uma boa música ao vivo e dançar em um navio cruzeiro. A música brasileira representada pela Bossa Nova era bastante tocada.
            Trabalhar e conviver com a terceira idade foi uma ótima experiência profissional. Pude medir meu grau de atenção e o nível de envolvimento com pequenos detalhes ou problemas.

O trabalho a bordo como fotógrafo da Image


            Como já comentei anteriormente, trabalhava em media cerca de 10 horas por dia, como fotógrafo júnior. Aos poucos, o cansaço físico passou a ser menor, por me acostumar à rotina e por eu começar a aproveitar mais o tempo livre voltando para a minha aconchegante cabine para dar uma cochilada. Mesmo assim, sentia dores nas pernas.
            Em todos os cruzeiros começávamos a trabalhar um pouco antes do momento do embarque dos novos hóspedes. Armávamos o fundo fotográfico e geralmente um cartaz que informava a data e por onde estava sendo realizado o cruzeiro.
            Como as pessoas estavam animadas com a viagem, raramente negavam-se a tirar a foto naquele momento junto às pessoas com quem estavam. A exceção se dava quando tinham passado por algum problema na viagem e estavam cansados ou mal arrumados.
            Assim que tirávamos um determinado número de fotos, entregávamos ao gerente do laboratório para que começasse a imprimi-las. Em torno das 19 horas já devíamos estar com as fotos expostas na galeria. Íamos para a cabine no deck 4 (ponte quatro, quarto andar) tomar banho e nos trocar, para chegarmos 18h30min para expor as fotos.
            Já na primeira noite, por volta das 20 horas parte de nossa equipe, uns seis fotógrafos tínhamos que tirar fotos no first seating, o primeiro turno de jantar. E esse era o momento mais delicado. Ainda bem que a Image, depois de enfrentar algum problema, aboliu o uso de fantasias nos restaurantes. Os fotógrafos mais antigos costumavam se vestir de personagens como piratas, para terem fotos mais atrativas. Posso garantir que tirar fotos no momento do jantar era o trabalho mais complicado para o fotógrafo.
            Tínhamos que saber abordar cuidadosamente aqueles que estavam sentados a uma mesa. Passei a desenvolver a percepção para identificar através das atitudes e do perfil dos hóspedes, quais seriam aqueles mais propensos a aceitar serem fotografados. Se conseguisse tirar foto do primeiro casal que escolhesse provavelmente, os demais, para não parecerem deselegantes permitiriam a foto.
            Como era exigido um padrão para as fotos, tínhamos que estar concentrados para em primeiro lugar escolher acertar no enquadramento e no ângulo ideal, além de pedir para que afastassem copos, pratos, enfim tudo o que não ficava bonito expor na foto. Tentávamos fotografar de duas pessoas, porém alguns queriam tirar em um grupo maior. Por isso, tínhamos que pedir para que alguns se levantassem para ficar atrás daqueles que estavam sentados e orientá-los para que se curvassem um pouco.
            Como tínhamos clientes de diferentes nacionalidades, desenvolver a comunicação corporal facilitava um pouco. Cada fotógrafo tinha uma seção. Lembro-me que na primeira noite tirei cerca de 40 fotos no primeiro turno. Quando adquiri experiência passei a tirar cerca de duzentas.
            Voltávamos então para a galeria para vender as fotos, álbuns, cartões postais, câmeras de foto e de vídeo. A comissão era individualizada e por isso tinha que ser rápido e esperto. Perder tempo era perder dinheiro. Tínhamos 30 minutos para jantar.
            Cerca de 21h30min voltávamos para tirar fotos no second seating. Retornávamos para a galeria que fechávamos às 23 horas e íamos desmontar o estúdio. Acabava o dia cansado!    
            Em noites de gala, cerca de duas a cada semana, às 18 h costumávamos nos reunir para montarmos uns 4 ou 5 estúdios. Armávamos os flashes, os fundos fotográficos e os tripés com a câmera. Testávamos a luz com o fotômetro e ajustávamos a câmera na melhor configuração. Tínhamos pouquíssimo tempo livre, já que teríamos que ir para a galeria expor as primeiras fotos.
            Lá pelas 19 h, cada um estava com sua D200, câmera mais avançada, posicionados cada um no seu estúdio, aguardando os primeiros clientes, elegantemente trajados.
            Voltávamos a galeria de fotos para trocar de câmera e, saíamos, conforme descrito anteriormente, cerca de 20hs, para cobrirmos o primeiro turno do jantar. Esperávamos todos os fotógrafos acabarem, para seguirmos juntos até a galeria de fotos, para deixar nossas câmeras D70s e, trocar buscar nossas maletas com nossas câmeras D200 que já estavam com o cartão de memória substituído. Pegávamos a primeira porta para termos acesso a área externa do navio, e seguíamos sentido a proa do navio, andando através do deck 5 , desde o meio do navio com sentido a proa. Aproximadamente 100 metros andando rápido, quase correndo sentindo a brisa do mar nos nossos rostos. Parecia cena de filme: seis pessoas vestidas com smoking preto com aquelas maletas.
            Tínhamos, e isso quando tínhamos, mais ou menos 15 minutos para comer e voltar para um dos novos postos fotográficos onde esperávamos as pessoas que queriam tirar fotos com fundo fotográfico. Era uma pena porque a comida no Jewel era muito boa!       
            Para tirar as fotos com o fundo citado, também tínhamos toda uma técnica para posicionar as pessoas. Depois de cerca de uma horinha parados em pé, voltávamos ao restaurante para cobrir o second seating. E, posteriormente voltávamos para fazer a última sessão de estúdio. Ficávamos até às 23 horas e tínhamos que desmontar nosso estúdio guardando o material cuidadosamente e transportando tudo em carrinhos até o nosso depósito. Tudo tinha que ficar bem organizado para encontrarmos com facilidade na próxima oportunidade.
            No final de cada cruzeiro o gerente nos reunia para avaliar os resultados da venda e analisar como as fotografias estavam sendo feitas. Eram extremamente meticulosos na observação de dados relacionados a todas as etapas do trabalho no intuito de ajustar aquilo que não está sendo bem feito ou que pode ser melhorado.
             Depois desta rotina cansativa e cheia de pressão percebi que, até o final do contrato de oito meses, o mais difícil seria manter o alto astral no trabalho, e consequentemente, um serviço com constante sorriso no rosto. Apesar de o trabalho ser dinâmico, as etapas ao armar e desarmar equipamentos eram fisicamente e psicologicamente cansativas. Somado a isso, não ter um dia sequer de folga dificultava a vida do marinheiro de primeira viagem.
A parte do trabalho em que mais me destaquei neste primeiro navio foi nas funções de venda, na galeria de fotos. O comissionamento era individualizado e, por isso, era extremamente importante utilizar habilidades de venda. Assim, podia conseguir melhores comissões e manter um alto nível de serviços, para atender os exigentes consumidores.
Quando chegávamos a um novo porto, geralmente pela manhã, nos preparávamos antes do navio ser liberado para desembarque. Geralmente um ou dois de nós estávamos fantasiados. Viking na Suécia e soldado, na Rússia são alguns exemplos. Éramos os primeiros a sair do navio e, nos posicionávamos para tirarmos fotos abordando os hóspedes. Cumprimentávamos as pessoas como se fóssemos anfitriões. Com alegria os chamávamos para as fotos e dependendo da receptividade os abraçávamos e fazíamos piadas. Quanto mais divertido o tempo passava mais rápido e a atingiríamos um número de fotos suficiente para darmos por terminado o trabalho matinal. Depois de deixar fantasias e equipamentos no laboratório estávamos liberados para passear.


Dificuldades a bordo no Jewel of the Seas


Na América do Norte tivemos uma mudança de gerência. Chegou um romeno mais linha dura.
Somando a isso, não estava me dando bem com o gerente de laboratório, um romeno que simplesmente fazia questão de mostrar que não gostava de mim. Desde o começo ele buscava meus erros profissionais, que deveriam ser considerados normais já que era um novato, e fazia questão de apontá-los para a gerência.
Certo dia ele me flagrou levando fotos dos tripulantes para minha cabine. Já que não foram compradas, as fotos tinham sido jogadas fora. Iam para o lixo. Não achei justo e resolvi fazer um bem para preservar a imagem dos tripulantes. Meu colega de trabalho fez questão de reportar ao meu gerente, que naquele momento optou por não me punir.
Alguns dias depois cometi o erro de não acordar a tempo de trabalhar. Fui acordado por telefone e cheguei 30 minutos atrasado. Foi o bastante para conhecer o que é tomar um warning, o primeiro.
Os warnings são advertências com o intuito de fazer com que as regras sejam cumpridas. No entanto, evidenciei exemplos de manipulação de tais regras. Como na vida em terra, infelizmente, as regras valem para uns e não para outros.
Cada companhia de cruzeiros estabelece um número limite de warnings. Se este número for alcançado, teoricamente o tripulante é desembarcado, terá seu contrato cancelado e terá que pagar o transporte para casa. Por isso, é preocupante receber essas advertências.
Acabei levando mais um que, por motivo tão insignificante, não me lembro o motivo. Enfim, estava na mira, ameaçado.
Nesses momentos, minha vida ficava mais difícil por estar longe de minha família, de meus amigos e da minha namorada. Seria muito bom compartilhar os momentos vividos no navio, pessoas que estariam ao meu lado, e compartilhariam comigo as recordações de uma aventura como essa.
Seria também, ótimo, receber uma massagem depois de um dia longo, como os que tínhamos eventos de gala, nos quais tirávamos mais de 700 fotos, cada fotógrafo, durante todo o dia.
Senti muito a falta de minha namorada.      
            Estava quase sempre na correria. Quando havia tempo livre tinha várias atividades tais como, lavar e passar roupa na laundry, pagar a conta do crew bar, arrumar a cabine, fazer downloads de programas e fotos, no meu novo computador, fora as necessidades básico-existenciais do ser humano tais como a de alimentação e de higiene pessoal.

Lazer a bordo

            Além das diversas festas regadas a bebidas e comidas gratuitas, um bom divertimento era jogar pebolim (também chamado como totó ou fla-flu, dependendo da parte do Brasil). Meu parceiro costumava ser o Carlos, um gaúcho que trabalhava na cozinha. Ele era o único brasileiro restante da nossa turma inicial de cinco. O Carlos era uma figura. Um cara extremamente intelectual, porém com inúmeros problemas emocionais. Bebia todos os dias, comentava que dormia pouquíssimas horas e, dizia que era apaixonado por uma tripulante que ele não queria me dizer quem era. Nunca descobri. Todos os dias quando me encontrava ele falava sobre ela.
            A nossa disposição, tínhamos DVDs para emprestarmos, sala de videogames, mesa de ping-pong, internet na cabine (a pagamento), bicicletas para alugar. Isso sem contar com campeonatos de jogos e concursos como o de fotografia para amadores e de idéias para incrementar a segurança nos navios. O bom-trabalho era reconhecido pela eleição e premiação do funcionário do mês. Enfim, adotava-se na Royal Caribbean um conjunto de políticas para o bem-estar do tripulante.
             

 Uma Nova Etapa – notícia sobre a transferência

            Recebi a noticia que fui promovido a fotógrafo senior e iria ser transferido para o navio Island Escape, da companhia Island Cruises que estava no sul da Europa. O Escape faria, posteriormente uma travessia transatlântica para realizar a temporada de verão no Brasil. Encarei a novidade com otimismo, pois além da promoção e, conseqüente, maior porcentagem nos comissionamentos no trabalho, poderia visitar os países banhados pelo mar Mediterrâneo. Depois voltaria para o Brasil onde poderia conhecer melhor nosso litoral e, quem sabe, fazer alguns contatos profissionais na área de turismo.
            Deixei de seguir o caminho do Jewel of the Seas que se dirigia para o Caribe e suas praias paradisíacas. De qualquer maneira, nestes últimos dias a bordo do Jewel visitamos Bermuda, um conjunto de 360 ilhas próximas aos Estados Unidos e que recebe um turismo de luxo. Mesmo sendo um território ultramarino inglês na América do Norte, pude sentir um pouco um clima caribenho no ar.
            Aportamos em Kings Wharf, um dos três portos locais, porém o único que possui calado para receber embarcações de grande porte. Tivemos pernoite, no local onde saímos e gastamos dólares de Bermuda (moeda local que tem o mesmo câmbio do dólar americano) nas casas noturnas. Fui a uma festa reggae na qual eu era um dos poucos brancos presentes.
Acreditei que a mudança nessa aventura traria coisas boas. Até aquele momento tinha certeza de estar sendo abençoado por aquela viagem maravilhosa, já que, até aquele momento, pude conhecer mais de dez países.      
Partiria de San Juan, Porto Rico, no dia 5 de novembro, com destino a Fort Lauderdalle, sul dos Estados Unidos onde faria uns exames médicos. Depois voltaria a passar pelo aeroporto de Miami, e desta vez com destino a Palma de Maiorca, na Espanha. O avião faria conexões em Frankfurt, na Alemanha e Madri na Espanha.


Baseado no relato parcial escrito em:
21 de novembro de 2006, dia de navegação.


Transição Jewel of the Seas / Island Escape

A despedida do navio foi uma mistura de emoções. Estava feliz e ansioso pelas mudanças de vida e de navio, porém mais uma vez lamentava deixar os colegas de trabalho e os amigos conquistados naqueles últimos três meses. Minha última noite no navio coincidiu com uma noite bem festiva.
No dia seguinte, depois de todos os procedimentos de desembarque saí eu, Guerrero Sano (um filipino que estava como fotógrafo trainee e que também tinha sido transferido para um outro navio), e mais um costarriquenho, com destino ao aeroporto de San Juan, Porto Rico, território americano. Resolvemos fazer um pequeno tour de táxi para visualizarmos um pouco a cidade.
Despedimos-nos no aeroporto, já que cada um iria para um destino diferente. Então peguei um avião com destino a Fort Lauderdalle. Fui direto para um outro hotel La Quinta (a cadeia de hotéis a qual a Image trabalha), onde pude ter uma noite de merecido descanso. Senti-me como um executivo viajando a trabalho.
No dia seguinte fui fazer os exames médicos exigidos pelo novo navio e depois parti de táxi para o aeroporto de Miami. Tive um pequeno contratempo por ter esquecido o terno no hotel. Necessitei pagar um táxi para trazê-lo para mim.
Desta vez uma viagem longa. Primeira parte até Frankfurt com a Lufthansa. No free-shop do aeroporto, resolvi comprar um novo Ray-Ban porque estava precisando de óculos de sol e o preço era bem menor do que no Brasil. Tomei um novo avião para Madri e depois outro avião, agora da Spainair, para Palma de Maiorca. Da janela, minutos antes de pousar em uma das Ilhas Baleares, pude ver o meu novo navio. Foi uma baita emoção!
Fui para o saguão no qual se retiram as bagagens e fiquei aguardando. O tempo passava e percebi algo estranho… onde estavam minhas malas?
Tentei manter a calma e pedir informações. Resumindo, minha bagagem não apareceu, tive que fazer uma notificação e então decidir o que fazer. Por algum momento me veio a cabeça ficar pela Espanha. Sempre tive vontade de conhecer o país e, naquele momento, tinha encontrado um bom motivo. Mas pensando mais racionalmente resolvi ir para o navio. Já eram 16h30min e eu não sabia a que horas seria a partida do Island Escape. Fiquei um pouco preocupado.
Arranhando no meu espanhol básico, peguei um táxi e no caminho me dei conta de que não tinha euros. Comentei com o motorista que não queria aceitar meus dólares. E pra piorar, ele não tinha certeza em que local do porto estava ancorado meu navio.
Graças a Deus fomos para o local correto. Cheguei ao Escape e expliquei minha situação para o primeiro tripulante que encontrei e, coincidentemente, era o encarregado de fazer o embarque dos novos tripulantes, um crew purser. Myles me emprestou o dinheiro para o táxi, porém antes me perguntou se eu tinha todos os exames médicos necessários.
Fiquei muito agradecido pela ajuda e aliviado por estar no navio. Pelo menos já tinha cama e comida. Só não estava desolado porque trouxe comigo todos os documentos e as demais coisas de valor nas minhas malas de mão.
Entrei no Escape com uma mão na frente e outra atrás. Sem uniforme e praticamente só com a roupa do corpo. Meu primeiro dia foi muito preocupante. Além do sumiço da bagagem deparei-me com um navio totalmente diferente do Jewel of the Seas. Uma palavra apropriada para definir minha primeira impressão sobre o Island Escape: sujo. Fiquei preocupado com meu futuro no navio que foi carinhosamente apelidado como “Island Mistake”.
Graças a Deus, no dia seguinte me informaram que minhas malas foram encontradas e que seriam entregues no navio no meu retorno à Palma. Fiquei todo esse primeiro cruzeiro de 14 dias sem meus queridos pertences. De qualquer maneira fui bem recebido e peguei emprestado, algumas roupas, sapatos etc.

Ancient Odissey - O último cruzeiro do Island Escape da temporada de verão europeu.

Este cruzeiro é chamado "Ancient Odissey".  Realizado no Mediterrâneo visita os seguintes portos, em ordem: Palma de Maiorca (Espanha), Messina - Secília (Itália), Katakolon / Olímpia (Grécia), Atenas (Grécia), Istambul (Turquia), Kusadasi (Turquia), Santorini (Grécia), Heraklion – Ilha de Creta (Grécia), Valeta – Malta.

Obviamente que, no meu primeiro dia em Palma de Maiorca não tive tempo para quase nada. Porém pelo caminho, de táxi, pude ver que o local é bem bonito e estruturado.
Em Messina, que fica no nordeste da ilha de Sicília (ao sul da Itália) eu, a Gerusa e a Francine demos uma passeada no centro. E assistindo a movimentação e o louco trânsito italiano, cheio de motos do tipo scooter, tomávamos um delicioso sorvete. Dizem que aquele local vendia os melhores sorvetes do mundo.
Chegando a Katakolon participei de um tour que foi para Olímpia (berço dos jogos olímpicos), distante cerca de 45 min, onde tirei umas fotos e acompanhei as gravações do DVD, que é feito pela nossa equipe de fotografia. Boa oportunidade para aprender algumas técnicas de filmagem.
Paramos em Pireu e de lá resolvemos ir até Atenas, capital que concentra cerca de um terço da população grega. Por um ótimo preço, eu e Francine, minha gerente, fizemos um tour de táxi e visitamos os principais pontos turísticos da cidade, como a famosa Acrópole, onde está o Partenon, templo construído em homenagem a deusa grega Atena e, o estádio Panathinaiko. O taxista era muito engraçado e tinha um inglês limitado. Foi um dos momentos em que mais me senti como turista. 
Em Istambul tive uma maior interação com a cultura local. Parti do porto caminhando em direção ao centro. Depois de passar pela Ponte de Gálata para visitar a Mesquita Nova, continuei minha caminhada para comprar um narguilé. Começou a chover e eu entrei numa loja para me proteger. Acabei conhecendo o dono, um turco, que me convidou para fumar no narguile e beber chá. Enquanto provávamos o fumo árabe, ele me explicou tudo sobre a arte da tapeçaria turca. Negociei um bom preço no narguile e pedi para que ele me mostrasse o caminho para o Gran Bazar, um imenso local comercial onde se vende tudo o que se possa imaginar. Ele não só me mostrou o caminho como me acompanhou até lá. Despedimo-nos e saí a passear.
Em uma tenda chamou-me a atenção uma camisa vermelha com a meia-lua e a estrela, bandeira da Turquia. Parei e negociei com o dono que ao me perguntar qual era minha nacionalidade descobriu que eu era brasileiro. Foi o bastante para que começasse a falar sobre futebol e citar o nome dos jogadores brasileiros que passaram por lá.
Resolvi negociar a camisa e ele baixou consideravelmente o preço, porém tentou me vender meia dúzia de meias. Lá na Turquia o hábito de trocar é também uma característica do seu comércio.
 Estava sozinho e o passeio foi uma verdadeira aventura num dia chuvoso. A cidade tem a maioria de sua população muçulmana e, como muitos não falam em inglês existe um maior perigo para o visitante se perder. Mas tudo deu certo e o dia foi memorável, assim como a vista da cidade iluminada à noite, quando saímos do porto!
De Kusadasi onde a principal atividade econômica é o turismo, fui visitar as ruínas de Éfeso, uma antiga cidade histórica citada na Bíblia como anterior ao nascimento de Cristo e, que em seu apogeu, foi o mais importante porto conectando as tradicionais rotas de comércio do Mar Egeu.
Infelizmente, por estar em Port Manning (condição na qual uma porcentagem da tripulação deve permanecer no navio), não pude visitar a ilha de Santorini, também chamada originalmente de Thera, considerada um local paradisíaco. De qualquer maneira contemplei uma paisagem maravilhosa do próprio navio. Admirei uma alta costa rochosa que refletia os raios do sol num colorido exuberante. O local surgiu após uma grande explosão vulcânica no ano de 1625 a.C.
Em Heraklion, capital da ilha de Creta, no sul da Grécia, passeei pelo centro e, depois, como estava cansado dei uma cochilada no banco de uma praça.
E, finalmente, em Malta, uma grande surpresa foi conhecer essa belíssima capital de estilo medieval, chamada Valeta. Para cada lado que se olhava havia um motivo para tirar fotos. Comprei um pingente em forma de âncora para selar minha experiência de marinheiro. Malta é um arquipélago densamente povoado e a língua oficial é o maltês apesar de grande parte da população, falar inglês e italiano.


A Vida a Bordo do Island Escape

Minha nova equipe era formada por cinco profissionais. Dois fotógrafos seniores brasileiros (eu e a Gerusa), um gerente de vendas, chamada Francine, também brasileira e um de laboratório chamado Baris, turco; além de um gerente geral, o Goran, da Croácia, este temporariamente. Estávamos no final da temporada da Europa e, por isso, este era um período de transição. Logo viria um novo gerente, o inglês Neil, que já tinha trabalhado na temporada anterior, no Escape e no Brasil.
Já nos primeiros dias de convivência deu para sentir que o Baris era o melhor companheiro de cabine que eu havia tido, e até hoje, após todos os contratos que realizei tenho certeza de que ele foi a pessoa com a qual melhor me relacionei. Baris era um cara sossegadíssimo, inteligente e confiável. Tudo o que você procura em um amigo. Aproveitando que iríamos para o Brasil, Baris queria aprender a dançar nossas músicas e a se comunicar em português.
Os hóspedes eram quase em sua totalidade ingleses. Dizem que eles são mais econômicos. Mas também como o navio é de uma classe bem inferior ao Jewel, os hóspedes que compram os cruzeiros da Island Cruises a companhia que possuía dois navios, o Escape e o Star, têm um menor poder aquisitivo. Por isso, as vendas do departamento de fotografia são bem menores se comparadas com meu antigo navio. Recebi minha primeira e última comissão em libra, porque, no Brasil, já mudaria para o dólar.
Como é obrigatório frequentemente fazíamos alguns exercícios de segurança tais como o bomb drill (com o intuito de preparar a tripulação para uma possibilidade de ter uma bomba no navio). Nesses treinamentos, às vezes, me vinha na mente um pensamento estranho. Sabendo que o nosso público era inglês realmente passei a sentir a apreensão com relação à possibilidade de algum ataque terrorista. Apesar de ser inédito um ataque em navios, não confiava nos encarregados da segurança do Escape. É claro que não pirei na idéia, porém sabia que poderíamos ser presas fáceis na mão do terror. 
Grande parte da tripulação brasileira estava numa faixa etária de aproximadamente 23 anos. Recém-formados que trabalham principalmente nos departamentos de housekeepping (governança) e de alimentos e bebidas.
Neste começo eu estava trabalhando bem menos que anteriormente. O navio era bem mais relaxado com relação a regras a serem seguidas. Meu gerente era sossegadíssimo e, por isso, não havia a mesma pressão do Jewel of the Seas.
Preparando-se para uma nova travessia.

Preparando-se para a temporada brasileira tivemos que realizar uma série de mudanças. Os preços seriam em dólares e o público seria totalmente diferente. Infelizmente, tínhamos que pensar em como evitar roubos de fotos e como evitar grandes filas na galeria de fotos.
Estas mudanças foram feitas durante a travessia para o Brasil. E no Brasil, Santos, meu porto seguro, seria o porto de partida do Island Escape para todos os novos cruzeiros até o dia 16 de março de 2007.
Na última parada em Palma de Maiorca dei uma boa andada, a pé, para visitar e fotografar os diversos pontos de interesse da cidade. Fui até a belíssima Catedral de Palma construída em estilo gótico.
Neste dia, outros brasileiros, na maioria, profissionais de entretenimento, embarcaram.
A travessia começaria oficialmente em Lisboa, onde ocorreria o embarque de muitos portugueses e outras pessoas de diversas nacionalidades. Passaríamos por Tenerife (Espanha), Funchal (Ilha da Madeira), e Mindelo (Cabo Verde) e atravessaríamos o Oceano Atlântico até chegar a Recife. Passaríamos por Salvador, Vitória, Rio de Janeiro e, finalmente, chegaríamos a Santos.
A expectativa era de uma grande aventura, pois havia dúvida com relação às condições de segurança desse navio. Faríamos uma travessia na qual, teríamos três dias de navegação. Contaram-me que no ano anterior o navio balançava muito e foi soado o alarme de emergência às 3 horas da manhã. O sinal causou pânico geral. Depois disseram que o alarme foi acionado por engano.
Então, chegando a salvo no Brasil, teríamos calor, praias e festas. E, para mim, também a chance de guardar dinheiro para o futuro, já que os gastos também seriam menores.
Ainda não tinha feito uma contagem oficial, porém até o momento já havia visitado quase 20 países. Não imaginava que isso poderia se tornar uma realidade em tão pouco tempo. A satisfação era imensa e, mesmo se eu ainda não levasse um tostão para casa, teria valido a pena.

           

Baseado no relato parcial escrito em:
21 de Dezembro de 2006.


A Travessia entre Europa e Brasil – de Lisboa a Santos

O cruzeiro que envolveu a travessia entre Europa e Brasil durou 18 dias e começou em Lisboa. O dia estava chuvoso e infelizmente não tive tempo para poder conhecer a rica cidade. O navio foi fretado por uma agência de viagens portuguesa e, por isso, praticamente todos os hóspedes eram portugueses. A partir deste momento a língua mais usada dentro do navio deixou de ser o inglês.
Partimos em direção a Tenerife, nas Ilhas Canárias, território espanhol. O percurso entre as duas localidades foi o pior que enfrentei em toda a minha experiência a bordo.
Esta área, próximo ao estreito de Gibraltar, caracteriza-se por possuir mares muito agitados. Fiquei mareado assim como a grande maioria, tanto tripulantes como hóspedes. Era difícil permanecer parado e me concentrar no trabalho. Tonturas e enjôos eram freqüentes. 
Devido a este imprevisto, houve um atraso na programação o que gerou o cancelamento de Tenerife como porto de parada. O comandante resolveu antecipar a parara em Funchal e, assim, fomos premiados com uma pernoite.
Ao chegarmos a Ilha da Madeira, à noite, a cidade de Funchal estava toda iluminada com decoração de Natal. Depois de visitarmos o cassino, fomos para uma balada chamada Copacabana. Chegamos cedo, e no começo tudo estava muito engraçado. As músicas e as pessoas eram bem diferentes do que se encontra em uma casa noturna freqüentada por jovens. Mais tarde o público foi mudando, e tudo começou a ficar mais parecido com as noites em casas noturnas as quais estamos acostumados. Estávamos em um grupo grande de tripulantes. A noite foi divertida!
No dia seguinte, um domingo, na companhia de duas colegas fiz um tour de táxi. O cenário durante o trajeto entre as montanhas era muito bonito e, como destino, tivemos o Curral das Freiras, uma pequena vila encravada no meio daquelas imensas paredes montanhosas.
Naquele momento não sabia, porém, muito depois descobri que a Ilha de Madeira é parte do continente africano.
Depois de dois dias de mar chegamos a Mindelo, na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, pensei estar pela primeira vez na África e estava excitado por isso!
Diferentemente de Madeira, Mindelo sim tem as características nas quais imaginamos quando pensamos em África.  E as similaridades com as cidades do nordeste do Brasil, como Salvador são impressionantes. O colorido da paisagem é lindo. Porém há uma pobreza evidenciada ao andarmos nas ruas e sermos abordados por insistentes crianças pedindo dinheiro ou tentando vender seus artigos. Depois de andar pelo centro e ter comprado, de um vendedor que me abordou na rua, uma máscara para decoração, que hoje está numa parede do meu quarto; fui à busca da praia.
No caminho conheci dois rapazes que estavam indo para o mesmo lugar. Eles me falaram um pouco de suas vidas, da falta de emprego e da falta de chuvas no local. Engraçado ouvir o sotaque, e aqui também vale para o dos portugueses, de pessoas de outros países falando português.
Chegando à praia, um visual sensacional! Logo entrei naquele mar, azulzinho. Depois jogamos um futebol na areia fofa que me fez ver, apesar do intenso sol, que minha preparação física não estava legal.
De qualquer maneira estas foram duas grandes realizações na África: jogar futebol e banhar-me no mar.
Começaram então, os três dias de travessia para alcançarmos o Brasil. E aquela viagem que poderia ser uma aventura acabou nos surpreendendo pela tranqüilidade do mar.
 
 
Chegando ao Brasil

Ao aproximarmos de Recife, de longe, podíamos ver inúmeros altos prédios, uma paisagem que não estava acostumado havia algum tempo. 
Era dia 3 de dezembro, depois de quatro meses e 20 dias, pude colocar meus pés novamente no solo verde e amarelo de uma maneira bem diferente. Primeiro por estar chegando por mar. E segundo por estar fantasiado de golfinho para tirar fotos com os hóspedes. Nunca suei tanto na minha vida.
Depois do calorento trabalho peguei um táxi e fui visitar a praia de Boa Viagem. No caminho o taxista me alertou sobre a violência da cidade e falou para eu ficar alerta para não ser roubado. Isso me causou um incômodo. Não que em outros paises como a Rússia e Turquia, por exemplo, não ocorram coisas desse tipo. Mas no Brasil esse sentimento de insegurança é mais evidente e, é algo muito negativo em todos os sentidos, e principalmente para o turismo.
Deixando o papo sobre violência de lado, a praia de Boa Viagem estava lotada. Sentei-me numa cadeira de praia, pedi minha cerveja e simplesmente não queria mais sair dali, só refletir e observar o movimento. Quebrei com a rotina de sair com pressa para conhecer e descobrir os locais visitados. A pressa se devia ao saber que, por estar muito longe de casa, talvez nunca mais voltasse a visitar tais lugares.
Fiquei por ali umas duas horas, bebendo cerveja com o sol na cabeça, e ouvindo o zum zum zum característico de praias lotadas brasileiras onde de cinco em cinco minutos passa alguém querendo lhe vender algo.
Neste dia, ao voltar para o navio, eu e Baris, resolvemos raspar nossos cabelos. Chamamos um indonesio, que já tinha comentado que fazia tal serviço e cobrava apenas cinco dólares. O novo corte passou a tornar um hábito para mim quando estou embarcado. Isso porque é muito mais prático. Passei a não ter a necessidade de ir a um cabeleireiro profissional dentro do navio (como staff poderia utilizar o SPA com preço reduzido) ou mesmo fora, além de não ter a preocupação de ter que me pentear antes do trabalho. Acordava, tomava banho e nem precisava me olhar no espelho.
A próxima parada foi em Salvador. Do porto, saí a pé junto com o Baris, em direção aos locais turísticos. Em 10 minutos estávamos no Mercado Modelo e bem perto pagamos cinco centavos para subir pelo Elevador Lacerda até a parte alta da cidade, onde fica localizado o Pelourinho.
A arquitetura é sem dúvida bem peculiar e antiga. Ruas em curva com vários desníveis. Inúmeras igrejas e um colorido especial. Assim como em Cabo Verde o assédio dos vendedores é inevitável, chegando algumas vezes até a incomodar. Como é tradição acabei deixando um deles amarrar a fitinha do Senhor do Bonfim em meu pulso quando fiz os três pedidos. Tomamos umas cervejas em um boteco ouvindo samba e observando aquele movimento. Como não conhecia Salvador, a sensação de estar neste lugar é como o de ter cumprido a missão de ir a um local que todo o brasileiro deve conhecer. Até o final do contrato pude visitar Salvador por mais duas oportunidades quando pude banhar-me nas praias próximas ao Farol da Barra.
Chegou a vez de Vitória, no Espírito Santo. No dia anterior coloquei meu nome na lista para auxiliar o guia local a conduzir um dos grupos de excursionistas do navio. Era o mesmo esquema que fazia na Europa, onde participei de alguma excursões como na Rússia e em Copenhagen. O destino desta vez era Guarapari.
Depois de recebermos informações interessantes sobre o local paramos na praia de Meaípe. Enquanto o grupo ficou tomando sol e banho de mar resolvi dar uma longa caminhada naquele local. Praia quase deserta. Na volta, como estava programado, fui almoçar com os guias e os excursionistas no restaurante, considerado por quatro anos seguidos, pelo Guia 4 Rodas, o que prepara a melhor moqueca do Brasil.
Quando morei na Austrália tínhamos um pôster na cozinha trazido por um colega capixaba. Nele estava escrito: “Moqueca é capixaba, o resto é peixada”. Lembrei-me do pôster assim que entrei no restaurante e, naquele momento, poderia analisar tal afirmação.
Bom, achei muito bom o prato, mas melhor ainda foi bobó de camarão. Literalmente, voltei de barriga cheia para o trabalho.
No dia seguinte estávamos em Búzios, que ganhou fama internacional na década de 60, depois de ser visitada por Brigit Bardot. Posteriormente tivemos inúmeras paradas neste glamoroso destino turístico e, por isso, não tive pressa em conhecer as diversas praias locais.
Na primeira visita fizemos um churrasquinho na praia próxima ao centro. Depois, em outras oportunidades, pude conhecer as praias de Geribá, Tartaruga, João Fernandes e Brava. Aproveitei para comprar roupas com bons preços, na Rua das Pedras, e fui convidado por um operador de turismo local para fazer um passeio de Trolley, uma espécie de caminhão aberto. Como agradecimento, dei ao Jean, o dono da Tour Shop uma foto tirada por mim, da estátua de Brigit Bardot, com uma dedicatória.       Tive uma ótima impressão sobre Búzios!

    
Final de Travessia

O cruzeiro dos portugueses se encerrou no Rio de Janeiro e o navio guardará por muito tempo as diversas histórias sobre o povo que nos colonizou. Algumas delas podem não ser verdadeiras, porém muitas outras são verídicas e, quando forem contadas virarão piadas. Aumentarão o nosso costume cultural de questionar a inteligência de nossos irmãos.
Vou contar algumas delas.
Dizem que alguns portugueses perderam o navio porque queriam tirar foto dele saindo do porto. Outro lusitano foi até a recepção pedir para que parassem o navio para procurarem sua bengala que caiu no mar. Em outro dia, uma senhora perguntou como é que os tripulantes iam para suas casas. A recepcionista brincou dizendo que todos voltavam de helicóptero. No dia seguinte, a senhora voltou à recepção queixando-se de que na noite anterior tinha sido incomodada pelo barulho do helicóptero.
Na galeria de fotos, eu mesmo, tive que responder, às vezes perdendo a paciência, mas sem demonstrar, algumas estranhas perguntas. O fato é que eles não têm receio em perguntar, gostam das coisas bem explicadinhas. São curiosos parecendo inocentes, mas ao mesmo tempo tem bons corações, são afetivos e animados. Foi ótima a experiência em lidar com esse público.
No Rio de Janeiro combinei de me encontrar com minha querida prima Rafaela, que estava morando por lá, e seu namorado. Subimos de carro para o Corcovado. Levei meu companheiro de quarto, o Baris, para mostrar-lhe o ícone turístico mais famoso do Brasil: o Cristo Redentor. O céu estava encoberto, mas foi muito bom pelo passeio. Para terminar passamos voando em uma churrascaria de sistema de rodízio. Uma fartura brasileira que não vi em outros lugares aos quais visitei. Valeu pela recepção Rafa!
Finalmente chegamos a Santos. Depois de ter passado por tantos países e me deparar com tantas paisagens, chegar a Santos, em navio, foi demais. Acordei cedo para acompanhar nossa chegada ao maior porto da América do Sul. Sou suspeito para falar, porém foi uma das entradas e saídas de cruzeiro mais belas que presenciei, já que o navio praticamente “entra” na cidade.
Nesta primeira parada em Santos só pude sair do navio muito brevemente, mas, ainda assim, fui recepcionado por minha mãe, pai, avó e madrinha. Senti-me um aventureiro de volta a sua terra natal e aos seus familiares.

 

Outros Cruzeiros

Depois de Santos fizemos um cruzeiro que envolvia Ilha Bela, Búzios e Ilha Grande, que substituiu Cabo Frio, já que não poderíamos atracar devido às condições do mar. Considerei Ilha Grande, como o mais belo ambiente natural visitado nesta temporada no Brasil. 
Veio então o cruzeiro do programa de televisão “Pânico”, que realmente trouxe pânico e caos ao navio. A galera que curtiu uma programação que envolvia também Capital Inicial e Skank exagerou na bebida. Muitos aprontaram coisas absurdas. Tumulto geral.
O terceiro cruzeiro teve como destino a Região Sul. Paradas em Porto Belo e Florianópolis, mais precisamente, na praia de Canavieiras.
Chegou o dia 21 de dezembro, meu aniversário. Dia em que estávamos navegando. Fiz uma pequena comemoração à noite. Mas ao contrário dos meus dois últimos aniversários este foi bem mais calmo. Senti falta de comemorar com os amigos, a família e a namorada. Embora não tenha sido possível realizar essa celebração em casa, permanecia em mim uma sensação de calma interior por estar seguindo um caminho correto, procurando ser profissional, sempre buscando um aperfeiçoamento pessoal, profissional e também financeiro. O dia de Natal iria ser também no mar e, o Ano Novo, no navio comemorando em frente à praia de Copacabana.


Baseado no relato parcial escrito em:
22 de fevereiro de 2007.


As Festas: Natal, Ano Novo e Carnaval

Trabalhando em navio a noção do tempo torna-se diferente. Difícil saber o dia da semana em que estamos. Às vezes o tempo parece que passa devagar, em outras vezes a sensação é de que os dias se vão rapidamente.
Perto do final do ano e, dos dias festivos, não podíamos assistir à televisão nas cabines por ausência de captação de sinal do satélite. Estávamos alienados com relação ao mundo externo e, desta forma, toda aquela expectativa promovida pela televisão, ao aproximar o Natal e o Ano Novo, praticamente não existiu.
No Natal, foi preparado um jantar festivo, no qual, os oficiais serviam à tripulação. Momento de confraternização, porém eu logo teria que sair para voltar a fotografar.
 A celebração do Ano Novo sim, foi muito legal!
Ancoramos na baía de Copacabana, no finalzinho da tarde. Enquanto a noite ia chegando podíamos observar diversos navios se posicionando para um dos eventos mais conhecidos do mundo: a queima de fogos de Copacabana. Sete navios estavam posicionados.
Perto do nosso navio estavam as balsas que continham os fogos de artifício e, ao fundo via-se a praia, as montanhas e os prédios cariocas. A sensação era a de estar como espectador em um estádio, antes de uma grande partida de futebol. Tudo pronto para o espetáculo.
Adiantei as fotografias que teria que fazer, tomei aquele banho e, depois de alguns champanhes servidos, gratuitamente no cassino, subi com o pessoal para um local estratégico, com visão privilegiada para ver o acontecimento.
Cinco, quarto, três, dois, um. Pummm! Estourei meu espumante e a partir desse momento passei a filmar, tirar fotos e cumprimentar os colegas e inclusive o comandante David, que estava acessível como sempre. Foi uma comemoração bem legal. Podia sentir uma situação de maior igualdade entre mim, tripulante, e os hóspedes, já que estávamos em uma condição mais próxima, a de festejo. Pude inclusive transitar sem o uniforme, de branco, na área da piscina, local onde a permanência era permitida somente de uniforme.
Chegou o carnaval e, infelizmente, não pude sair do navio, em pleno Rio de Janeiro. De novo, por estar na lista do já comentado port manning. Estava muito perto de realizar um dos meus grandes sonhos que é o de ver e se possível participar do carnaval na Marquês de Sapucaí. Fazer o quê? Fica pra próxima…


Trabalho Pesado

As horas trabalhadas por nossa equipe, no Brasil, são muito mais numerosas se comparado com o que estávamos acostumados a cumprir na Europa e na travessia. Essa nova condição, somada a quase que inexistência de tempo de lazer e, ainda, ao fato de eu raramente poder passar em casa quando parávamos em Santos, tornou minha vida estressante. E assim, a convivência com os colegas de trabalho cada vez mais difícil.
Por falar em problemas de relacionamento isso é o que mais ocorre na vida a bordo. São inúmeras as histórias sobre desrespeito profissional. Por isso, inúmeros brasileiros desistem nos primeiros dias.
Não cabe aqui expor em detalhes os problemas aos quais enfrentei. Porém tive alguns desentendimentos. Recebi, injustamente, algumas chamadas de atenção e, por isso, me defendi, pleno de argumentos, expondo meus pontos de vista. Respondi à altura, mesmo respeitando a hierarquia. Mesmo assim, fui acusado de desrespeito.  Então percebi, e essa não é a primeira vez, que algumas pessoas não estão preparadas para discutir situações frente a frente, de forma clara e sem colocar o orgulho em jogo.      Gosto de jogar limpo, sem bajulações ou tentar “agir politicamente”. Acredito que muitas vezes os problemas profissionais ou pessoais devem, primeiramente, ser resolvidos entre as partes, sem que sejam envolvidos terceiros. Talvez esteja errado por não seguir o famoso “politicamente correto”, porém prefiro lutar contra injustiças a baixar a cabeça e ignorar as injustiças que me afetam.  Não acho certo, por exemplo, pessoas se aproveitarem por estar em condições hierárquicas superiores para “pisarem” nos outros. Felizmente isso não ocorreu comigo, porém converso com pessoas que sentem isso na pele. Um marinheiro de primeira viagem deve saber que pode ter que se deparar com tal situação.


Mais Warnings

Para tirar um pouco a cabeça dos problemas, as festas da tripulação tiravam-nos da realidade. Eram chances de nos vestirmos bem e nos divertir. Porém as festas da tripulação tinham hora para acabar e geralmente éramos expulsos pelos seguranças. Não contentes muitos voltavam a se reunir nas cabines, o que não é permitido.
Em um dessas festas fui flagrado e me senti desrespeitado pela maneira com que o segurança brasileiro nos abordou. Disse-lhe que ele não estava falando com cachorro e comecei um bate-boca. No dia seguinte fui chamado para conversar com o Staff Captain para explicar o que aconteceu já que recebi um written warning (advertência por escrito). Expliquei o que aconteceu e mesmo entendendo meu ponto de vista ele manteve o warning.
Posteriormente acabei recebendo uma outra advertência, mas desta vez por ter a cabine desorganizada. Parece até que a segurança começou a prestar mais atenção em mim.


Novidades

Algo novo foi minha introdução às filmagens do "Cruzeiro em DVD" produzido e vendido no Island Escape pela equipe de fotografia. Comecei a ser escalado para fazer filmagens em alguns eventos noturnos, e também fiz algumas filmagens externas em Ilhéus, porto onde ainda não tínhamos parado. Apesar de não ter uma orientação técnica-profissional, a experiência foi divertida. Devido a uma agenda de trabalho sempre cheia, acabei não tendo tempo para aprender a editar. Mas ficou o gostinho de querer aprender mais sobre esta arte.
Em dezembro entrei no Crew Welfare Comitee (Comitê da Tripulação), formado por representantes de cada departamento. Nele são discutidos assuntos que envolvem a vida cotidiana da tripulação. Como teríamos que definir algumas funções, resolvi logo na segunda reunião participar da elaboração do "Crew Newsletter", um jornal mensal no qual passei a escrever sobre a vida dos tripulantes após fazer entrevistas com os mesmos. Isso foi bom para treinar a escrita em inglês.


Fechando o Ciclo

Vivenciando aqueles dias turbulentos de trabalho não exitei em decidir que iria "sair de férias", se pudesse ainda no Brasil. Depois de algum tempo recebi a notícia de que isso seria possível, e meu desembarque estava definido para 16 de março, com a finalização da temporada, em Santos.
Na ocasião pesava em mim o cansaço acumulado e a ausência de liberdade para controlar o tempo. Apesar de querer que o contrato acabasse logo, resolvi mudar meu pensamento de forma a encarar os últimos dias, cerca de um mês, de forma mais positiva. Decidi valorizar os pontos positivos da vida a bordo, as pessoas com quem tinha contato e a considerar que os aspectos negativos não seriam obstáculos para a aprendizagem.
Sem dúvidas, essa mudança de concepção facilitaria a contemplação do principal objetivo naquele momento. Concluir e grande aventura com um final feliz.



Baseado no relato parcial escrito em:
Santos, 05 de abril de 2007. Em casa.


O Suado Final Feliz

A mudança de atitude funcionou e foi uma das principais vitórias pessoais. Cada hora a mais que trabalhava, mais tinha a certeza de que o final seria mais gratificante. Ao invés de encarar o tempo restante arduamente, acreditei que deveria aproveitar os últimos momentos para aprender cada ainda mais, com as situações que se apresentavam diariamente e, com as pessoas ao meu redor.
No entanto, neste período, escrevi uma carta comunicando a Image que, por hora, não tinha interesse de realizar outro contrato.  Agradeci à possibilidade que tinham me oferecido e expliquei sobre minhas prioridades naquele momento. Não me esqueci de enviar, como havia prometido para Janet, uma bela foto da Irlanda.
No dia 16 de março finalizava a temporada do Escape no Brasil. Assim como o meu, esse seria o fim do contrato de alguns tripulantes.  Na noite anterior, como não poderia deixar de ser fizemos uma festa que foi transferida para os corredores do navio.
 Fiz amizade com muitos componentes da equipe de entretenimento, uma galera bem animada. Muitos moram em São Paulo e, por isso, ficaria mais fácil revê-los. Já, os colegas espalhados ao redor do mundo, seria mais difícil voltar a encontrá-los.
Na manhã do desembarque acordei atrasado. Peguei minhas últimas coisas da cabine e iniciei meu processo de retirada. Estávamos eufóricos com o momento. Despedi-me de Baris e agradeci ao Myles por ter me emprestado o dinheiro para pagar o taxista, em Palma de Maiorca, no episódio das malas perdidas.
Alguns de nós que desembarcamos, combinamos de assistir ao Island Escape saindo de Santos. Naquela tarde, caiu um temporal como eu não via há muito tempo.
Estava escurecendo quando o Escape contornava o canal do porto e aos poucos se aproximava da Ponta da Praia, cartão postal da cidade de Santos. O contraste que o céu escuro fazia com o navio o deixava branquinho. Parecia receber uma limpeza. Aos poucos o navio no qual vivi por aproximadamente quatro meses, distanciava-se da costa.  
Desta vez, presenciava o afastamento de um ponto de vista oposto. Cansei de ver Santos se distanciando, e nestas vezes, trabalhando, mentalizava buscar energias e concentração para realizar o novo cruzeiro que se iniciava. Neste dia, 16 de março, observava o Escape se distanciar e permitia deixar meu pensamento vagar em diferentes sentimentos.  E sem dúvidas, o maior, era o da satisfação pela missão cumprida.


Balanço Final sobre o Primeiro Contrato

Fazendo um levantamento analisando os locais por onde passei, percebe-se que os números são sem dúvida, muito expressivos. Nunca imaginei que poderia realizar tudo em apenas oito meses da minha vida. Visitei quatro continentes e 22 países.
Sentado em frente ao computador, depois de aproximadamente duas semanas em casa resolvi sintetizar a experiência comentando as lembranças mais presentes.
Entre elas, recordei sobre as dificuldades de adaptação a vida a bordo e de convívio com colegas de trabalho. Tais dificuldades foram um dos maiores desafios, mas me levaram a refletir sobre a necessidade de sempre tentar trabalhar a inteligência emocional.
Lembro-me dos lugares mais marcantes pelos quais passei. As peculiaridades da Rússia, os beleza cênica dos fiordes da Noruega, as belas cidades da Europa, a facilidade de aquisição de bens materiais em países como Estados Unidos e Canadá, e a possibilidade de conhecer novos locais no nosso litoral brasileiro. Não podíamos ficar nesses lugares pelo tempo que gostaríamos, porém tais visitas enriqueceram minha experiência pessoal e de turismólogo.   
Trabalhar com uma empresa americana é sem dúvida um aprendizado. A maneira de padronizar procedimentos e perseguir metas são exemplos de como gerir negócios. E como nas minhas equipes de fotografia os profissionais, assim como nos navios, são pessoas de diferentes países, conviver com colegas de trabalho com diferentes culturas e personalidades exige capacidade adaptação.
Um dos maiores legados deste contrato foi descobrir o gosto pela fotografia. Aprendi a obter um olhar diferente dos fatos cotidianos da vida, por meio do aprendizado que tive com a experiência de fotografar.
Como o próprio nome sugere fotografia significa: o desenho da luz. Percebi o prazer de reconhecer e interpretar uma bela luz. Aprendi saber interpretar, como nossos olhos, se comportam buscando aquilo que mais chama a atenção em uma imagem. E a relação existente entre uma lente e os próprios olhos em termos de focalizar objetos em diferentes planos. 
Além disso, foi muito bom poder registrar todos os locais por onde passei através de fotos e vídeos. Terminei o contrato descobrindo uma nova paixão, a fotografia.
Assim que encontrei pessoas em terra, passavam a me perguntar:
-E aí Diogo, valeu?
Particularmente acredito que pelo pior que fosse, a experiência valeria para valorizar a vida fora do navio. Por isso, quando me faziam tal pergunta sentia que a intenção principal era saber se ganhei dinheiro.
Então respondia.
Valeu!
Como desde o início o aspecto financeiro não era o principal motivador fiquei feliz por ter sido recompensado, além das expectativas, também neste aspecto.
            O maior legado, no entanto, foi maravilhosa a experiência de viver a bordo. De conhecer e conviver com pessoas extremamente batalhadoras, de buscar auto-conhecimento e saborear, ainda que por poucos momentos uma plenitude de estar muito feliz, sentindo-me útil, produtivo e com a certeza de que meu barco estava navegando por um longo itinerário a conquista do meu mundo.
            Quando me envolvi no processo seletivo e quando decidi, de fato, que iria embarcar comentei que o meu objetivo era realizar somente um contrato. Durante o tempo que estive a bordo, quando passei por diversas dificuldades, mentalizei que iria até o final.  
            Por isso, me senti um vitorioso quando conclui o contrato. Pra mim, já era o suficiente. Tudo o que eu queria era voltar para ficar com minha namorada. Sabia que teria que aguardar seu retorno da Austrália e, que quando voltássemos a estar juntos o relacionamento deveria encaminhar-se para algo mais sério.
            Voltar a trabalhar em navio estava fora de cogitação.