domingo, 18 de agosto de 2013

Cuba: um sonho caribenho




Cuba: um sonho caribenho


Introdução

Depois de terminar meu quarto contrato trabalhando em navios de cruzeiros marítimos e realizar uma viagem para o Perú (ambas as experiências registradas em relatos de viagem), comecei a colocar em prática algumas ideias que começaram a surgir no final do contrato no Splendour of The Seas (navio no qual estava embarcado).

Tinha duas grandes motivações para me “aposentar” da vida a bordo. A primeira era voltar a estudar. A segunda era a de tentar aproveitar os grandes eventos que ocorrerão no Brasil nos próximos anos: A Copa do Mundo de futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016.

Diferentemente de outros momentos da minha vida, em uma decisão, no meu entender audaz, resolvi primeiramente me matricular em um curso e voltar a estudar para depois buscar trabalho. 

Escolhi a FGV para fazer o curso de MBA em Gestão Empresarial com Ênfase em Gerenciamento de Projetos. Um investimento alto e consequentemente uma necessidade de comprometimento com um bom desempenho me deram a sensação que aquele seria um desafio importante para um novo ciclo de vida.

Posteriormente, por indicação, comecei a trabalhar na Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo atuando como assistente técnico na capital paulista.

Foi uma passagem breve que me fez entender, na prática, algo muito simples. Nosso país só prosperará quando os cargos públicos forem gerenciados por especialistas. É a profissionalização da gestão pública. Onde cada macaco fica no seu galho. No turismo, por exemplo, pessoas sem preparo não devem encabeçar projetos com grande dimensão e potencial, pois na grande maioria das vezes não entendem a dinâmica das relações entre os diversos agentes que participam deste importante setor, em franca expansão mundial.

Depois desta rápida experiência profissional, vi-me novamente com tempo livre e comecei a enviar meu currículo para empresas operadoras de viagem de incentivo para atuar na área operacional. 

Acredito que por ter me mantido fiel ao primeiro objetivo, o de estudar, acabei sendo premiado com uma nova chance de trabalho. Fui contratado para ser representante comercial dos Programas de Hospitalidade nos Estádios para a Copa do Mundo (venda de camarotes) atuando numa empresa brasileira e representando uma empresa suíça, detentora dos direitos comerciais em todo o mundo cedido pela FIFA. Não poderia ser melhor!

Comecei trabalhando em Alphaville, porém fomos transferidos para um escritório em São Paulo, onde estou morando.

Passado um ano, por incrível que pareça em outubro de 2012 iniciei minhas primeiras férias “oficiais” (com carteira assinada e data prevista para retorno).
E por isso... com a permissão do General romano Pompeu e de Fernando Pessoa:

Viajar é preciso!

Relatar também é preciso.



O Destino

Para onde será sua próxima viagem de férias?

O que mais lhe atrai ao escolher um destino? Gostaria de viajar só ou acompanhado?

Você acha que planeja bem sua viagem?

Lê sobre a cultura local, sua culinária, seus atrativos turísticos, sua história?

Refleti sobre estas questões e optei por ir a Cuba, principalmente por sua história e pelo que representa mundialmente.

Tentei “aliciar” alguns amigos, porém sem sucesso. Não pelo destino já que quase todos tinham curiosidade em conhecer o país. Eles não poderiam viajar por diversos motivos. Tive que me conformar e começar a planejar a viagem e pesquisar sobre o destino. Juliana, minha namorada, também não pôde viajar.

Meu pai sempre falou sobre Cuba. Eu mesmo li alguns artigos em jornais, assisti ao ótimo documentário sobre a música cubana, o “Buena Vista Social Club” e apresentei um trabalho em um curso técnico sobre a cultura do país. Na época que realizei minha primeira passagem profissional por São Paulo participei de um evento de promoção de Cuba destinado ao trade de turismo brasileiro. Lá, experimentei meu primeiro Mojito (bebida tradicional).

Ao planejar meu roteiro percebi que dependendo da companhia aérea que escolhesse poderia fazer conexões no Perú, no Panamá ou na Colômbia. E já que poderia parar em um desses locais porque não incluí-lo no roteiro? Seria um plus na viagem...!
Assim, decidi incluir a Colômbia, optando pela companhia Avianca.
No capítulo a seguir fiz um “resumão” da história mundial em que Cuba está envolvida.  Apesar de ser uma ilha e estar fisicamente isolada pelo mar, o idealismo político confronta seus vizinhos, e dentre eles, nada a mais nada a menos do que os Estados Unidos, o país mais “rico” do mundo.

Mas o que é riqueza?



Um pouco de muita história

Cuba foi um território “descoberto” por Cristovão Colombo em 1492 e permaneceu sendo território do Reino da Espanha até 1898.

Teve uma história muito parecida com a de outros países latinos já que o território e as pessoas eram explorados pelos seus colonizadores. Assim como no Brasil, os indígenas foram escravizados e, posteriormente foram trazidos africanos com o mesmo intuito de trabalho nas monoculturas de açúcar e de tabaco.

As revoltas pela independência do Reino Espanhol se iniciaram quando este exigiu monopólio na comercialização do tabaco cubano em razão da valorização do produto no mercado internacional.

As lutas se estenderam até a intervenção dos Estados Unidos durante a Guerra de Independência Cubana, em 1898, fato considerado o estopim da Guerra Hispano-Americana. Com a derrota na guerra, em 10 de dezembro de 1898 a Espanha teve de reconhecer a independência de Cuba através da assinatura do Tratado de Paris. Deste modo, os EUA passaram a ter grande influência sobre o novo país, que foi governado durante quatro anos por uma junta militar que defendia os interesses estadunidenses.

Cuba se transformou numa espécie de "ilha dos prazeres" dos turistas americanos. Nesse cenário, misturavam-se corrupção governamental, jogatina nos cassinos, uso indiscriminado de drogas e incentivo à prostituição.

Como vários países latinos Cuba tinha seus problemas, porém tais problemas eram relativamente comuns e não despertavam a atenção do Mundo.

Em 1953, rebeldes liderados por Fidel Castro iniciaram um movimento pela libertação da ditadura militar de Fulgêncio Batista que culminou com um golpe de Estado em 1959. Era o terceiro mandato deste ditador que tinha reconhecimento diplomático e apoio militar dos Estados Unidos.

Logo ao assumir o poder do país Fidel Castro começou a colocar em prática sua ideologia comunista, como a reforma agrária, obtendo a simpatia e o apoio da União Soviética que passou a comprar o açúcar produzido na ilha.

Era tempo de Guerra Fria (uma guerra sem conflito bélico) e a disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e União Soviética, após a segunda guerra, propunha duas formas diferentes de ver o mundo: o capitalismo, com ideais de democracia e liberdade, e o socialismo que buscava uma resposta para o domínio burguês e a solução dos problemas sociais.

Em 1961, logo após Fidel Castro anunciar o caráter socialista da revolução, os Estados Unidos financiaram um ataque de exilados cubanos anticastristas que foram treinados em Miami. Foi quando avisado da possiblidade da tentativa da tomada do poder e da sua execução do seu líder, o exército cubano derrotou os insurgentes na praia de Girón, na Baía dos Porcos.

Imediatamente o governo Soviético emitiu uma carta condenando indignadamente o ataque americano. E assim, o governo americano de John F. Kennedy optou por evitar novos ataques, porém impôs a Cuba um embargo econômico, comercial e financeiro que dura até os dias de hoje e é condenado pela ONU.

Iniciaram-se as corridas armamentistas e aeroespaciais. A União Soviética lançou o satélite aeroespacial Sputinik. O cosmonauta russo Iuri Gagarin relata: “A Terra é azul”. Era o primeiro homem a viajar pelo espaço. A americana Nasa, criada em 1958, corre atrás do tempo e o mesmo presidente Kennedy lança o desafio de “levar homens a Lua e trazê-los a salvo”. Neil Armstrong em 1969, na Apollo 11 (depois de onze tentativas) teria sido o primeiro homem a pisar na Lua. 

Disse ”Este é um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade". Há aqueles que duvidam sobre a veracidade desta viagem e de que foi de fato um salto para a humanidade.

Em 1962, Cuba permitiu a instalação, em seu território, de mísseis nucleares soviéticos. Kennedy reagiu duramente à estratégia militar soviética, considerando-a uma perigosa ameaça à segurança nacional americana. Ocorreu então o episódio que ficaria conhecido como crise dos mísseis cubanos. Numa verdadeira mobilização de guerra, os Estados Unidos impuseram um poderoso bloqueio naval à ilha de Cuba, forçando os soviéticos a desistirem dos planos de instalação dos mísseis no continente americano. A crise dos mísseis é reconhecida como um dos momentos mais dramáticos da Guerra Fria.

Vinte anos depois do início da Guerra Fria em um grande movimento que iniciou em maio de 1968 a juventude de vários países ocidentais, inclusive o Brasil, se revoltou com relação ao processo de manipulação da opinião por meio dos veículos de comunicação de massa que veneravam os valores do capitalismo, e repudiavam o socialismo.

Em 1985 a União Soviética aposta nas reformas chamadas Perestroika (restauração da economia) e Glasnost (transparência).

Em 1987 iniciou-se um acordo entre os países, União Soviética e Estados Unidos, visando uma política de desarmamento, impulsionando o fim da Guerra Fria.

Um grande massacre o ocorreu em Pequim na China. No Massacre da Praça da Paz Celestial centenas de manifestantes, entre eles estudantes que lutavam contra a opressão e a corrupção do governo do partido comunista foram mortos. 

Entre 1990 e 1991 depois movimentos separatistas no Balcãs (Letônia, Estônia e Lituânia) e a queda do Partido Comunista e da KGB (serviço secreto), a União Soviética sucumbiu com o desmantelamento da sua estrutura formal, decretada por Michail Gorbachev em 17 de dezembro de 1991.

Aos olhos do mundo, a queda do muro de Berlim e a reunificação da Alemanha já representavam que a ideologia capitalista teria se sobreposto, definitivamente, à socialista.

O capitalismo nós conhecemos bem. E o socialismo?
“...é um conjunto de doutrinas que tem por fim a socialização dos meios de produção. Partindo do pressuposto de que os problemas sociais derivam das desigualdades entre os indivíduos, o sistema visa à extinção da propriedade privada. O governo investiria no cidadão desde seu nascimento, no entanto, ficaria como se fosse o “dono” daquele indivíduo, que seria obrigado a seguir regras rígidas e a trabalhar para todos na medida de suas possibilidades.”

O comunismo foi uma ideologia criada após a revolução russa e é erroneamente utilizada como sinônimo de socialismo. No entanto, no comunismo não haveria a presença do Estado. As decisões seriam tomadas pela democracia operária.

A etapa do comunismo não foi atingida por nenhum país.

E Cuba?

Parou no tempo?

Cuba é o único país do ocidente que se mantém socialista.

Tem uma taxa de alfabetização de quase 100% de sua população.

Uma taxa de mortalidade infantil inferior até mesmo à de alguns países desenvolvidos.

Expectativa média de vida de 77,64 anos.

Em 2006 Cuba foi a única nação no mundo que recebeu a definição da WWF de desenvolvimento sustentável e com um Índice de Desenvolvimento Humano com indicador de mais de 0,8 em 2007

Valeu a pena ter mantido sobre rédeas curtas sua população e censura dos meios de comunicação?

Essa é uma das respostas que queria obter com a viagem...!

Queria sair com a convicção do grande escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues

“Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”.



Planejamento do Roteiro


Quando optei por viajar a Cuba busquei a Sanchat uma operadora de viagens especializada no Caribe. Fui atendido pela cubana Odalys que me auxiliou no planejamento do roteiro.

Dados dos vôos:
MJ5MK/OG RIOOU 7UD8OG  AG 57513691 16OCT                      
 1.1LOPES/DIOGO                                             
 1. AV  248 Z  29OCT GRUBOG HK1  0240   0545  O*       E MO  1 
         OPERATED BY AVIANCA                                    
 2. AV  254 Z  29OCT BOGHAV HK1  0939   1405  O*       E MO  1 
         OPERATED BY AVIANCA                                   
 3. AV  255 P  07NOV HAVBOG HK1  1815   2030  O*       E WE  2 
         OPERATED BY AVIANCA                                    
 4. AV   85 P  07NOV BOGGRU HK1  2140  #0635  O*       E WE  2 
         OPERATED BY AVIANCA  



Day by Day

28 out (dom) - Saída São Paulo (aéreo) bem cedo para chegar ao mesmo dia em Havana.
28 out (dom)- Chegada Havana (três pernoites em hotel simples)
07 nov (qua)- Saída Havana
07 nov (qua)- Chegada Bogotá
08 nov (qui)- Saída de Bogotá (terrestre)  - 443km (8 horas de viagem)
08 nov (qui)- Chegada a Medellin
10 nov (dom)- Saída Medellin (terrestre) - 642 km (13 horas de viagem)
10 nov (dom) - Chegada a Cartagena
12 nov (ter) - Saída de Cartagena (aéreo)
12 nov (ter) - Chegada a Bogotá
12 nov (ter) – Saída de Bogotá
12 nov (ter) – Chegada em São Paulo



Relato da Viagem

Dia 1 – Havana, 29 de outubro de 2012 (segunda-feira)

“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, o que importa é modificá-lo”. (Karl Marx)



Com destino a Havana e conexão em Bogotá o vôo saiu às 02:40. Meu grande amigo Felipe em companhia de sua ex-namorada foi me levar ao aeroporto dando todos os votos de boa viagem.

Assim, viajando pela Avianca comecei uma viagem com muita expectativa.

Cheguei ao aeroporto Eldorado em Bogotá e antecipando em uma hora a previsão devido ao horário de verão na Colômbia , embarquei   para Cuba.  Ao chegar na Ilha uma representante da Cubatur esperava por mim e outros clientes para fazer o transfer aos hotéis.

No caminho conheci um colombiano que já havia estado muitas vezes em Cuba. Quando comentei que iria a Colômbia ele me alertou:

-Cuidado com as mulheres na Colômbia! Elas são terríveis.

Ele ficou no hotel Meliá Cohiba que fazia menção ao famoso charuto produzido exclusivamente para Fidel Castro. Cohiba: palavra Taíno, que designa tabaco.

Prosseguindo com o transfer notei que a entrada de Havana é bem arborizada e agradável. 

Comecei a notar os primeiro carros antigos e todo aquele ar bucólico retratado em documentários e fotos.

Cheguei ao hotel Vedado, no bairro Vedado que tem esse nome por ter sido uma região “proibida” à negros e pobres no período que antecedeu a revolução de 1959.

Minha intenção era a de descansar, porém animado por estar em Cuba resolvi sair para explorar a região e fazer uma troca de dinheiro. Como o hotel Vedado não tinha uma boa cotação fui informado que seria melhor no Hotel Nacional.

Caminhei algumas quadras e conheci este que é um dos hotéis mais tradicionais da ilha. Tradição, glamour e beleza fazem com que o visitante queira aproveitar um pouco deste ambiente. E foi o que eu fiz. Na parte de trás do hotel um belo jardim no terreno elevado via-se o oceano e o Malecón, o famoso quebra-mar havano.

Resolvi dirigir-me à recepção. O câmbio era o oficial. Igual aos das casas de câmbio oficiais, popularmente chamadas de “Cadeca”.

Liguei para casa para avisar que estava tudo bem e fui surpreendido com o valor da chamada. 

Quase 7 CUCs por pouco mais de 1 minuto.

Um dólar valia 0,86 CUC e 1 Euro, 1,24 CUC.

Dei um breve alô para avisar que estava tudo bem e comentei que dificilmente voltaria a ligar durante o tempo que permaneceria em Cuba. Tentaria mais uma vez no dia 04 de novembro, aniversário da minha mãe.

Liguei também para meu grande amigo Ernesto, morador de Havana, que disse que não conseguiria me ver neste primeiro dia por motivos de trabalho, porém que me encontraria no dia seguinte. Ele mora em Miramar um bairro residencial onde ficam várias embaixadas estrangeiras.

Saí do hotel andando sem destino e com fome. Queria pesquisar as opções de alimentação da região. Depois de caminhar algumas quadras em uma esquina, um rapaz com óculos de sol espelhado e jeito malandro perguntou se eu queria taxi. Respondi que não e ele simpático e sorridente me perguntou algo mais que não me lembro. Emendei perguntando se conhecia algum restaurante e começamos a conversar. Ele me mostrou um bar que estava a poucos metros e comentou sobre um paladar que conhecia. Feliz por estar conversando com um local e sedento por informações, pedi a Manuel Xaveco que me levasse ao restaurante particular.

No décimo quinto andar de um dos mais altos prédios da região o paladar estava localizado no Piso 15. Pedi para ver o cardápio e achei que os preços eram razoáveis. Tinha de tudo. Desde pollo (frango) à carne de res (carne de vaca). Esses estabelecimentos particulares foram permitidos há pouco tempo e possuem alimentos inacessíveis à grande parte da população. É, juntamente com as casas familiares destinadas à hospedagem, um dos primeiros negócios abertos pelo governo com o intuito de obter divisas estrangeiras.

Animado pela conversa convidei Manoel para jantar. Ele pediu carne. Eu, frango com um molho especial com mel. Aproveitando a oportunidade Manuel pediu também um Mojito.

Manuel tinha 36 anos, uma filha e não é oficialmente casado. Mora com Lizandra e não vê a hora de colocar em prática seu plano de deixar o país para ganhar dinheiro e experiência em outro lugar. Mesmo tendo um plano em mente parecia estar disposto a ir para qualquer lugar.

Evidentemente Xaveco não apoia o sistema. Quando via uma foto de Fidel e Raúl Castro comentava que torcia para que os dois sumissem. No entanto, ao mesmo tempo em que imprimia um tom crítico ao seu discurso, ele deixava, mesmo que sem perceber, escapar informações que evidenciavam fatores positivos no dia-a-dia em Cuba.

Antes do jantar ele me pediu licença para buscar um presente. Eu disse que não tinha necessidade. Mas insistente me pediu para esperar. Fiquei curtindo a vista do Piso 15 de onde podia ver o Malecón, o hospital no qual Maradona esteve internado, e o mar.

Xaveco voltou com quatro charutos e uma moeda com a face de Che Guevara, explicando que era uma moeda rara, já que turistas as levavam como recordação. Agradeci os presentes e logo depois do jantar fumei meu primeiro charuto cubano.

Como tinha trocado pouco dinheiro tive que completar a conta pagando em Euros que deu € 37,00. Valor razoável naquele momento que comparava com os valores brasileiros, mas que posteriormente se revelaria a refeição mais cara de toda a viagem.

Xaveco mostrou-se uma pessoa confiável e bem informada. Aceitei o convite de ir até sua casa para conhecer sua família. Caminhamos bastante e chegamos a um prédio de dois andares, arruinado pelo tempo, como a maioria das construções da cidade. Subimos até seu apartamento onde conheci sua filha, sua sobrinha, sua mãe e Lizandra. As crianças estavam estudando e com minha chegada disputavam a atenção dos pais enquanto íamos conversando. Eles não têm nenhum equipamento de som, porém contam com canais estrangeiros transmitidos por uma “gambiarra” local.

As crianças gostaram da minha Nikon e pediram para que eu as filmasse dançando ballet. Xaveco comentou que as crianças cursavam teatro e ballet na escola gratuitamente. Lizandra elogiou a canga com desenhos das fitinhas famosas de Salvador a qual eu envolvia minha câmera para protegê-la.

Fui muito bem recebido e o convite para tomar um bom café cubano parecia uma solenidade em homenagem a minha presença.

Manuel Xaveco estaria disponível para me apresentar Havana no dia seguinte. Fui para o hotel, cansado, e com a certeza de que muita coisa estaria por vir. Fiquei um pouco no hall principal onde estava ocorrendo uma apresentação de músicos, quando um grande grupo de jovens colombianos chegou. Pedi na recepção para que me despertassem às 7:00 para aproveitar o café da manhã no hotel e esperar Xaveco, meu primeiro guia cubano.





Dia 2 – Havana, 30 de outubro (terça-feira)

“Um passo atrás, para dois passos à frente”. (Lenin)



Acordei animado no amplo quarto localizado no sexto andar do hotel Vedado. Tomei uma ducha para despertar e arrumar tudo o que precisava colocar na minha mochila. Câmera, protetor solar, óculos de sol, mapas, entre outras coisas.

Desci para o café da manhã. Deparei-me com uma boa variedade de alimentos. Diversos tipos de pães, bolos, frutas, ou seja, tudo o que um hotel considerado de três estrelas no Brasil costuma oferecer. Ou até mais! Destaque para um requeijão natural um pouco azedo. Fiz alguns sanduíches para levar no passeio.

Às 7:45 já estava na porta do hotel. Um vendedor de jornais me ofereceu um Granma que comprei para passar o tempo e me inteirar sobre as notícias da região. Certamente levaria esta lembrança ao meu pai, leitor assíduo de jornais e professor de jornalismo.

Logo avistei Xaveco, chegando calmamente e pontualmente, falando no celular como se estivesse passando por ali casualmente. No entanto, evidentemente caprichou no visual para exercer suas habilidades de guia, me auxiliando na exploração da cidade. Ele tinha um roteiro em mente: caminhar pelo bairro Vedado para depois irmos até Havana Vieja.

Energizado e empolgado eu o seguia bombardeando-o com perguntas. Depois de passarmos pela Univesidad de la Havana e algumas praças e prédios históricos Xaveco decidiu levar-me a um hospital público, chamava-se Céspedes. Seu intuito era o de me levar dentro de umas alas para que eu pudesse ver como eram as condições. No entanto, acabamos olhando por fora e minha impressão é a de que apesar de não haverem equipamentos de ponta, nesse hospital em específico, atenção aos cidadãos não falta.

O sistema de saúde de Cuba é estruturado em três níveis de atendimento. No nível primário está o médico familiar que atende uma determinada região. Trabalha principalmente com a prevenção de doenças. Além disso, soluciona ambulatorialmente 95% dos problemas da população. É o grande diferencial do país. No segundo nível estão os policlínicos e os hospitais. Já, o terceiro nível foi criado para atender pessoas com maior poder aquisitivo e é referência mundial por ser altamente especializado com alto desenvolvimento técnico científico. Recentemente Hugo Chaves foi se tratar em um desses hospitais de Cuba contra um câncer. O combate ao vitiligo também é famoso em Cuba.

O aspirante a médico em Cuba tem garantida a gratuidade dos seus estudos. Posteriormente, tem como obrigação trabalhar por 6 anos para o governo. Isso seria uma garantia para que os médicos formados não deixassem o país buscando maiores ganhos em outros países. No passado houve um grande êxodo de profissionais para países como os Estados Unidos.

Continuamos nossa caminhada com destino a Plaza de la Revolución. Esse foi o palco de diversos discursos após o Triunfo da Revolução (como os cubanos chamam este grande feito). No centro da praça está uma linda torre. É o Memorial Jose Martí, o grande mártir da Independência de Cuba em relação à Espanha. Logo em frente está o Ministério do Interior com um gigante mural que reproduz o busto de Che Guevara e no prédio ao lado de Camilo Cienfuegos, dois grandes revolucionários cubanos.

Sem dúvidas, na imensidão desse espaço, exercitei a imaginação para sentir um pouco todo o impacto dos eventos históricos que ali ocorreram. Imaginei Fidel Castro em seus longos discursos e a massa da população que apoiou a queda do regime de Fulgencio Batista.

Atravessamos a praça para ver um treinamento de beiseball, esporte número 1 de Cuba. Xaveco comentou que é comum olheiros de equipes americanas aliciarem jogadores cubanos para levá-los à liga americana de forma irregular. Muitas vezes por meio de luxuosas embarcações.

À medida que Manuel ia me explicando um pouco da história de Cuba íamos caminhando. Ele me mostrou a sede do jornal Granma, aquele que eu tinha comprado um exemplar pela manhã. O nome do jornal remete ao iate que foi utilizado no ano de 1956 por Fidel e outros 81 rebeldes que saíram do México com destino à costa sul da então província cubana de Oriente para iniciar a revolução.

Já estava cansado. Tínhamos andado aproximadamente oito quilômetros. Sugeri pararmos para tomarmos uma cerveja. Paramos em uma lanchonete onde pedi minha primeira Cristal. Foi um bom alimento para o corpo e uma refrescante bebida para aliviar o calor da caminhada.

Havia comentado com meu guia que queria comprar uns charutos. Ele me levou até uma loja onde havia acabado de chegar um ônibus de turistas europeus. Lá, havia produtos tradicionais locais como as diversas marcas e variações de rum e de charutos. Fiquei espantado com o valor. Uma caixa de Cohiba Espléndidos, por exemplo, com 25 puros custava CUC 575. Mais de 600,00 dólares. Caro!!!

Xaveco me disse que me levaria à casa de um amigo que tinha uma “correria” nas fábricas de tabaco. Já havia lido sobre o câmbio negro no qual cubanos trabalhadores de fábricas de charutos extraviam parte de produção para venderem ilegalmente. O governo parece fazer vista grossa para essa atividade.

O rapaz trouxe uma caixa de Cohiba Espléndidos e uma da marca Monte Cristo, de um tamanho menor. Simulando um ar de bom entendedor, analisei o produto e sabendo que haveria a possibilidade de que fossem falsos. Na verdade percebi que era algo fino e confiando na indicação do meu guia não hesitei em negociar a caixa do Cohiba. Paguei 60 CUCs, mais ou menos US$ 65 uma pechincha. Queria levar outra caixa, mas achei melhor esperar. Ainda estava no começo da viagem e poderia precisar do dinheiro.

Agradeci e fui instruído para esconder a caixa na minha mochila antes de sair da casa. 

Continuamos assim nossa caminhada com sentido ao Malecón e com destino a Havana Vieja.

Cumplicidade com o mercado negro?

Pode ser. No entanto nunca pagaria US$ 600,00 por 25 charutos.

Xaveco me mostrou uma loja de distribuição de produtos contidos na caderneta de racionamento adotada a partir de 1962 com a intenção de distribuir de forma igualitária alimentos e produtos de primeira necessidade a população. O local estava vazio o que pareceu que a escassez de produtos é um problema recorrente.

Paramos em um banquinho para comer uns croquetes com cerveja, desta vez uma Buccanero, que é mais forte.

O mar estava revolto. Reflexo do furacão Sandy que havia passado há uns 10 dias no lado oriental da Ilha matando 11 pessoas e deixando um grande estrago. O mesmo furacão passou em 
Nova Iorque e mais de 100 pessoas morreram. Conversando sobre este assunto durante a viagem fiquei surpreso em saber que apesar de todas as dificuldades que Cuba passa, suas agências metereológicas são muito eficientes, assim como o sistema de defesa civil que faz um ótimo trabalho de evacuação da população antes da chegada dos fenômenos naturais. Ou seja, com todas as limitações conseguem salvar mais pessoas de desastres naturais do que nos Estados Unidos.

A água invadiu a avenida que beira o Malecón e por isso essa ficou interditada. Íamos caminhando quando passou um “trem turístico” de rodas por nós. Sugeri ao meu guia pegarmos o mesmo para fazer o percurso confortavelmente. Saímos correndo atrás do trem para conseguirmos despertar a atenção do motorista. Depois de uns 200 metros de corrida, conseguimos embarcar.

Entre prédios, carros e buzinas, percebi que estava em uma das áreas mais densamente povoadas de Havana onde a poluição do ar é evidente e agravada pelo longo período em que os veículos americanos antigos estão circulando.

Quando passamos pela Casa do Rum, próximo ao Terminal Marítimo Sierra Maestra pedimos para descer. Dali vê-se a Fortaleza de San Carlos de La Cabaña. Entramos e logo tomamos uma Guaravana, bebida que mistura cana de açúcar com rum.

Apreciamos um pouco uma apresentação de música e logo seguimos para explorar Havana Vieja. Xaveco me levou ao hotel Ambos Mundos onde o famoso escritor Ernest Hemingway se hospedava por longos períodos. Fomos ao terraço do hotel onde fumei meu primeiro Cohiba e tomei meu primeiro Daiquiri. Fazia um sol gostoso e a vista era inspiradora.

Ficamos ali por cerca de uma hora conversando e logo decidimos partir para o próximo destino: inspirados por Hemingway seguimos sentido La Bodeguita del Medio. O bar é simples assim como a maneira com que é servida a principal bebida: o Mojito. Dizia o famoso escritor que este drink foi criado por um inglês em alto mar.

A sensação de ver o barman preparar um Mojito em Havana, na Bodeguita, ouvindo a música cantada ao vivo, que menciona o próprio bar e degustar a bebida encostado a barra do bar é uma experiência que satisfaz a todos os sentidos.

Por mais esnobe que possa parecer tenho que dizer que depois de experimentar um Mojito na Bodeguita perdeu um pouco da graça pedi-lo no Brasil.

Conheci um brasileiro que estava de rápida passagem em Cuba e um grupo de mexicanos que acabaram me pagando um Mojito. Aliás, há de se dizer que os mexicanos são muito festivos. 

Depois que conheci a bebida mexicana Michelada, ao trabalhar em navios, sempre a peço quando tenho a oportunidade.

Pedi para Xaveco me levar ao Floridita, outro famoso bar. Quando passamos em uma casa de câmbio para fazer uma nova troca, meu guia encontrou sua prima Leyanis. Ela se juntou ao nosso passeio e quando cheguei ao Floridita pedi 3 cervejas Cristal. Uma bica! 4,5 CUCs cada! Quase 4 Euros. Sem dúvidas foram as três cervejas mais caras que paguei em Cuba.

Logo reparei que aquele grupo de colombianos que estava no meu hotel estava ali. Era um grupo bem animado de estudantes que fez daquele ambiente de decoração elegante um lugar festivo e popular. Impressionante ouvir a cantora não utilizar microfone e fazer sentir com naturalidade sua voz harmonizada com os instrumentos utilizados pela música cubana como o violoncelo, as congas e as maracas, uma espécie de chocalho.

Quando o grupo de colombianos deixou o Floridita sugeri que também saíssemos do local. Afinal, patrocinar 2 cubanos ali exigiria uma verba considerável pois ao dançarmos estávamos com sede.

Caminhamos um pouco mais ao passarmos pelo Capitólio e pararmos em um bar ao ar livre com cerveja a preço tabelado. 1 CUC. Acendi a outra metade do Cohiba que havia estreado no hotel 

Ambos Mundos e pedi o celular emprestado para contatar Ernesto.

Foi como uma transmissão de pensamentos. Ele estava me aguardando na recepção do hotel. 

Pedi para que esperasse mais uns trinta minutos. Expliquei aos dois que precisaria ir ver meu amigo. Xaveco me auxiliou a encontrar um taxi cubano com a tarifa em peso cubano. Dentro do prazo estava na porta do Vedado.

Que satisfação! Lembro-me do dia em que conheci Ernesto. Depois lhe contei esta história. Na minha primeira noite trabalhando no escritório de excursões do no navio MSC Opera uma colega apresentava os funcionários do navio à medida que eles se aproximavam ao balcão de excursões. 

Ao ser apresentado a Ernesto fiquei surpreso por ele ser cubano. Como comentei anteriormente sempre tive curiosidade pelo país e naquele momento fiquei feliz ao conhecê-lo e poder trocar ideia sobre os assuntos referentes a Cuba. Sabia que faria amizade com ele. E assim foi. 

Aproveitamos muito as experiências do navio e desenvolvemos uma amizade que sabíamos que transporia aquela viagem.

E a satisfação de vê-lo foi potencializada pela condição de ser em Cuba. Nos demos um forte abraço e contrariando os sinais de cansaço do meu corpo tanto pela longa caminhada como pelo relaxamento de um dia cheio de atividades e cheio de drinks concordei de ir com ele a casa de um conhecido onde iria buscar um dinheiro.

Andamos mais uns três quilômetros conversando e curtindo nosso reencontro. Depois de pegar o dinheiro do aluguel de um plano de internet, Ernesto me convidou a comer uma pizza. À medida que conversávamos comparei meu amigo a uma enciclopédia humana de tantas informações que tinha sobre o mundo. É uma pessoa que adora conversar e além de sua bagagem de estudos que desenvolveu em Cuba teve a oportunidade de conhecer alguns lugares do mundo.

Ernesto disse que iria a sua agência no dia seguinte e pediu para que eu ligasse no seu celular para nos encontrarmos. Voltamos caminhando ao hotel de onde tomou um taxi para sua casa. Eu, exausto fui dormir. Pensei em ir às chamadas praias do leste no dia seguinte.



Dia 3 – Havana, 31 de outubro (terça-feira)

“Valle, pero milliones de veces más, la vida de um solo ser humano que todas las propriedades del hombre más rico de la Tierra.” (Che Guevara)



Dormi bem e acordei cheio de disposição. Tomei café e fiz meu kit lanche para não ter que me preocupar sobre onde e o que comer.

Resolvi pesquisar valores de voos para Cayo Largo, uma ilha paradisíaca recomendada por amigos. 

O pacote com voo e hotel no sistema all inclusive não era caro. Mesmo assim resolvi aguardar outras definições para saber qual caminho seguir.

Caminhei com sentido ao Malecón que tinha trânsito de veículos liberado já que o mar estava mais calmo. Sem pressa fui caminhando sozinho tirando fotos  daquele  mundialmente conhecido visual.

Aproximei-me de um trompetista que me chamou e perguntou de onde eu era. Assim tocou Garota de Ipanema. Fiz um vídeo, conversei um pouco e logo continuei a caminhada.

Algumas pessoas pescavam, alguns cachorros perseguiam uma cadela no cio e quase eram atropelados. Mais a frente um casal parecia ter selado a união há pouco e tirava fotos para registrar o momento.

Como pano de fundo as ondas batiam no paredão fazendo jorrar grandes volumes de água. Aos poucos fui entrando na cidade e resolvi ligar para Xaveco e Ernesto. Não obtive sucesso. Decidi visitar o Museu da Revolução onde cercado pela história do país resolvi comprar o livro “A Breve História de Cuba” e um cartão postal que acabou levando mais do que um mês para chegar ao Brasil.

Saí do museu e consegui falar com Ernesto. Ele passaria a noite no hotel onde me hospedara para sairmos na balada.

Caminhei um pouco e passei por um cinema. Olhei o filme que estava em cartaz: Blancanieves (A Branca de Neve). Antes do filme haveria a exibição de um documentário chamado El Camarón Encantado, que retrata a vida e obra do bailarino e coreógrafo cubano, Eduardo Blanco. Essa é uma grande vantagem no cinema cubano. Geralmente um ingresso da direito a mais de um filme.

Resolvi comprar o bilhete, não pelo filme, mas sim pela experiência. Tive a oportunidade de lembrar os cinemas que frequentava na minha infância em Santos. As enormes salas que tinham uma grande capacidade de expectadores e tela gigante. Com uma notável diferença: naquela sala em Cuba escutava-se o barulho de ventiladores.

Confesso que não tive paciência em assistir Blancanieves. Fiquei agoniado em perceber que era um lindo dia de sol em Havana e eu estava no escuro assistindo a um conto inglês. Por isso, saí da sala ainda assim satisfeito pela experiência.

Um pouco cansado vi passar na minha frente um “bicitaxi” e achei que aquele seria um transporte ideal para o momento. Chamei o rapaz que passou por minha frente e negociei um valor pela corrida, sem a intenção de explorá-lo.

Balançando pelos solavancos da bicitaxi puxei assunto com o rapaz. Renato trabalhava há alguns anos naquele ramo do transporte cubano. Era novo e comentava que diariamente só tinha duas grandes preocupações na vida. Ganhar dinheiro e comer. Era um ciclo que o incomodava pois parecia não ter fim. Comentei que no dia anterior fui ao Floridita e ele disse que sabia onde era porém que nunca tinha ido ao local. Comentou que há lugares nos quais os cubanos nunca “poderiam” ir por não terem poder aquisitivo compatível.

Na intenção de consolá-lo disse que isso ocorre em todo mundo, o que de fato é uma realidade.  

Após cerca de 15 minutos de pedaladas agradeci Renato que me deixou na esquina do hotel. 

Apertei sua mão lhe desejando sorte na vida.

Voltei para meu espaçoso cômodo do hotel para tirar uma soneca restauradora.

Cerca de 20:30, conforme o combinado, Ernesto estava lá. A noite estava fresca. Agradável para sair de camisa de manga curta, porém Ernesto estava vestido com um agasalho preto. Lembrou-me meus conterrâneos santistas que por não estarem acostumados com o frio, quando bate qualquer brisinha mais fria logo se animam para usar as suas roupas para frio.

Ernesto tinha uma recomendação para a noite. Me levaria a um show do cantor de reggaeton mais badalado de Cuba, na casa noturna da moda. Assim, tomamos um taxi com destino a La Maison.

A rua estava agitada e caminhamos umas duas quadras até uma esquina para tomar um taxi cubano. Ernesto estava agitado e então disse a ele.

-Cálmate, Ernesto! Estoy en vacaciones.

Ele riu e percebeu que realmente estava apressado sem necessidade.

Ao chegarmos à balada percebemos que o local estava muito pacato. Pensamos que o show poderia ter sido cancelado. Fomos para o outro lado do quarteirão onde havia outra entrada para a casa.

Fomos informados que a programação da noite estava confirmada, porém ainda era cedo.

Sentamos e pedimos uma cerveja para acompanhar uma conversa sobre vários assuntos.

Ernesto me explicou um pouco sobre como os cubanos “ganhavam” carros do governo por méritos e sobre a mudança tão esperada no pacote de reformas de Raúl Castro na qual é liberada a compra e venda de carros com algumas restrições.

Ele comentou que no dia seguinte seria transmitido ao vivo pela televisão um programa de mesa redonda de debate sobre as mudanças da lei de imigração na qual os cubanos poderão sair do país para fazer turismo.

Acendi um Cohiba e continuamos o papo cabeça até que nos avisaram que a entrada para o show estava liberada. Ernesto não queria deixar que eu pagasse. Parece que queria retribuir sua passagem pelo Brasil onde foi meu convidado de honra na minha casa e na noite santista.

Entramos para o show na La Maison e continuamos a conversar. O tempo passava e nada de iniciar o show. Ernesto comentava que logo teria que ir embora, pois teria que trabalhar no dia seguinte. É muito responsável meu amigo!

A verdade é que já era mais de 02hs e nada do grande cantor. Perguntamos o que estava ocorrendo e nos informaram que ele nem havia chegado. Assim, resolvemos ir embora.

Ou seja, pela primeira vez fui a um show e não vi o espetáculo.

Era minha última noite no hotel. Combinamos que eu iria para a casa de Ernesto por volta do meio dia logo após o check out do hotel.

Meu plano era o de sair de Havana para explorar outras faces de Cuba. Viajaria no dia seguinte de ônibus para a Trinidad, um vilarejo colonial tombado pela UNESCO.

Ernesto também viajaria guiando um grupo de franceses para Varadero.

Assim, voltei de taxi para o hotel Vedado.



Dia 04 – Havana/Trinidad, dia 01 de novembro (quinta-feira)

"Os que não têm coragem, os que não querem se adaptar ao esforço, ao heroísmo da revolução que vão embora, não os queremos, não precisamos deles" – Fidel Castro


Acordei, tomei meu banho e café, como em todas as manhãs. Recebi uma cantada da camareira que disse que ao me ver “ganhou o dia”, e desci para fazer o meu check out do hotel.

Negociei uma tarifa com o taxista para me levar para Miramar, bairro de Ernesto. Em Havana, como em outros municípios cubanos as ruas são divididas por números. Às vezes com letras.

Não foi muito complicado para o taxista, que nem sonhava em ter GPS encontrar a rua de meu amigo. Perguntei a um rapaz que estava na porta do edifício de dois andares se conhecia Ernesto e ele assentiu me indicando como chegar.

Bati na porta e apareceu meu amigo com um conjunto esportivo do Milan. Ernesto apresentou sua mãe Raquel sobre a qual falava há muito tempo. Fui recebido com grande carinho por ela. Logo estávamos conversando sobre o sistema socialista.

Ela comentou sobre as recordações que tinha quando criança quando viu pessoas sendo maltratadas por soldados pertencentes ao governo de Fulgencio Batista. Disse que eram tempos ruins onde reinava o analfabetismo e a corrupção.

Ernesto me mostrou seu equipamento de informática e de som. Eu nunca tinha visto algo parecido. Inimaginável para a maioria dos cubanos. A casa de Xaveco, por exemplo, não tinha se quer um radinho de pilhas.

Sabendo que eu necessitava fazer uma troca de dinheiro ele me chamou para ir fazer compras. 

Arrumei minha bagagem para viajar, pois mesmo que ele tenha perguntado se eu queria ficar uns dias em sua casa eu estava sentindo que aquele era o momento para explorar, pegar a estrada e descansar em uma viagem de ônibus.

Caminhamos pelo menos uma dezena de quadras para chegar até o mercado. O bairro é bonito e foi bom sentir um pouco da vida cotidiana dos arredores. Preocupados com a hora que tínhamos marcado com a companhia de taxi voltamos logo para sua casa. Despedi-me dele e de sua mãe afirmando que gostaria de ficar, porém necessitava sair para aquela missão e que logo voltaria.

Como um pai Ernesto me deu uns conselhos e me colocou no taxi. Em menos de 15 minutos estava no terminal. Comprei a passagem e com algum tempo fui buscar algo rápido para comer. A saída estava marcada para as 13hs.

Parei num bar elegante e pedi uma porção de azeitonas com uma michelada, uma cerveja ao estilo mexicano. Em pouco tempo estava confortável na poltrona do ônibus “puxando um ronco” e trafegando pela Carretera Central de Cuba.

Quando acordei comecei a exercitar o hobby de tirar fotos em movimento. É um exercício difícil, pois além da velocidade do ônibus há o balanço e a dificuldade de conseguir uma boa visibilidade pela janela, sem reflexos. Para conseguir uma boa foto é necessário tirar várias.

Depois de uma breve parada para lanche voltei ao ônibus e após sua partida sentei-me no início do corredor entre o motorista e o seu substituto com o intuito de tirar fotos de um panorama diferente. Comecei a puxar conversa e logo estávamos falando sobre os assuntos que envolviam o país. Ambos concordavam que o país necessitava passar por uma reformulação política independentemente dos avanços que conquistaram após o triunfo da revolução. Quando disse que era brasileiro falavam que gostavam de dirigir os ônibus da Mercedes Benz fabricados no Brasil, que eram bem melhores do que    aquele Isuzu, chinês.

O dia ia caindo quando nos aproximávamos do destino. Atravessamos algumas províncias como Matanzas, Cienfuegos onde muitos turistas desceram, para chegar ao fim da tarde em Sancto 
Spíritus onde se localiza Trinidad.

Dezenas de pessoas aguardavam a chegada do nosso ônibus para oferecer meios de hospedagem e outros serviços turísticos. Tentei passar rapidamente pelas pessoas, porém tinha que tentar seguir as instruções que tinha em mãos e não conseguia nem pensar com tanto assédio. Entrei em um restaurante e perguntei como chegar a Casa Colonial, indicada por minha agente de viagem cubana e que trabalha no Brasil, a Odalys .

O garçon a conhecia e disse que estava na mesma rua, algumas casas adiante. Logo que entrei fui recebido pela dona. Yirina mostrou-me meu cômodo e me passou algumas instruções. Negociei um desconto para ficar por dois dias e ela sem demonstrar resistência concordou com a proposta. 

Como o nome diz a pousada é construída em estilo colonial assim como a maioria das edificações da cidade.

O quarto era amplo e com uma linda cama de casal feita em metal dourado. As paredes eram amarelas com desenhos e a porta era larga com uma grade na parte de fora. Foi sem dúvidas o quarto mais aconchegante da viagem. Senti-me como um príncipe que havia chegado de uma viagem.

Dei uma dormida para repor as energias e ao acordar lembrei-me de tentar assistir na televisão a mesa redonda sobre as mudanças nas leis de imigração cubana.  Pedi para um dos filhos de Yirina ligar a televisão e senti-me um rapaz politizado ao ver tal debate. Fiquei imaginando se haveria de fato uma grande mudança em benefício ao país ou, se as mudanças poderiam trazer transtornos no futuro. O fato é que muitas pessoas estavam esperançosas com as mudanças.

Resolvi então dar uma volta para conhecer o local. Ao sair da casa escutei um grupo musical com tambores. Resolvi descobrir de onde vinha aquele batuque. Vinha de um edifício antigo que estava aberto. Era uma espécie de bar com uma área central descoberta onde músicos tocavam em ritmo africano e entoavam canções em outro idioma. Ao sentar senti obrigação em pedir algo para beber. E por que não um Mojito?

Ah! Ao sair da pousada combinei que voltaria em cerca de meia hora para provar uma lagosta, o prato da noite da pousada. Por isso, ao terminar a bebida voltei para a pousada para degustar um prato típico local a um preço irrisório. Quanto custaria em média uma lagosta no Brasil? Em 

Trinidad paguei cerca de sete Euros.

O prato acompanhava arroz congris (típico da cozinha cubana) que é uma mistura com carne de porco e feijão preto, bananas fritas e uma salada com pepino, abacate e quiabo. Um colírio para os olhos!

Comi muito! Por isso resolvi dar uma caminhada para fazer digestão. Já era noite e as ruas estavam desertas. À medida que ia passando pelas casas, com o silêncio das ruas conseguia perceber que muitas pessoas assistiam à novela. E para a minha surpresa, ao observar melhor, percebi que a novela era brasileira.

Sabia que as novelas brasileiras são famosas, porém foi a primeira fez que vi uma transmissão fora do país. Parecia que a cidade tinha parado para acompanhar mais um capítulo.

A lua estava cheia e o céu estrelado pela pouca luminosidade que era emanada pela cidade. 

Talvez se não estivesse em Cuba teria um pouco de receio por estar caminhando pelas ruas de pedra no breu de Trinidad. De vez em quando pessoas passavam montadas em cavalos.

Ao voltar para a pousada fui abordado por uma moça que me ofereceu um passeio a cavalo no dia seguinte. Gostei da ideia e fiquei de passar no local indicado por ela. Ainda com a pança cheia fui dormir para aproveitar o dia seguinte.





Dia 05 – Trinidad, dia 02 de novembro de 2012 (sexta-feira)

“Prefiro morrer de pé que viver sempre ajoelhado”.  Emiliano Zapata, revolucionário mexicano.

Acordei com vontade de fazer algum passeio diferente para explorar a natureza ao redor da pequena cidade. Decidi tomar café da manhã fora da pousada e verificar como era o passeio a cavalo.

Estava cedo e quase todos os estabelecimentos comercias estavam fechados. Resolvi perguntar aos citadinos onde encontraria um café. Um moço me deu as coordenadas e decidiu me acompanhar até o local. Perguntei ao atendente quanto custava o café e o preço em CUC era caro. Pedi então àquele que me levou até o local se ele conhecia algum café mais simples que aceitasse pesos cubanos. Ele disse que sim e me levou alguns quarteirões mais acima.

Começamos a conversar e perguntei a Andrés se ele conhecia algum passeio de charrete. Desisti de andar a cavalo pelas experiências anteriores nas quais fiquei dias com o corpo dolorido pela falta de costume.

Tomando o café que o ofereci, naquele ambiente simples, no qual não havia acompanhamento como um pão com manteiga para ser servido, ele comentou que conhecia uma pessoa que tinha uma calesa (charrete, em espanhol).

Andres trabalhava com funilaria de carros. Estava de folga e disse que poderia me acompanhar no passeio. Ou seja, depois de Manuel Xaveco e Ernesto encontrei meu terceiro guia em Cuba.

Caminhamos algumas quadras e encontramos um adolescente em uma charrete. Andres conversou com ele e eu fiquei à distância observando. O menino disse que voltaria. Enquanto isso, como estávamos na parte alta da cidade Andres apontava o Valle de los Ingenios mostrando qual seria nosso percurso. Fiquei animado com a beleza do local e da aventura em charrete que estaria por vir.

Um adulto voltou com a charrete e o menino desculpando-se com Andres ao dizer que precisaria do meio de transporte para fazer outros trabalhos.

Andres disse que se andássemos um pouco poderíamos tentar encontrar o veículo com um amigo que morava numa chácara mais abaixo da estrada de terra.

Tive um bom tempo para exercitar meus questionamentos sobre Cuba e a vida rural. Perguntei sobre a falta de carne de vaca, sobre a história da cidade e conheci um pouco sobre a singela vida de Andres. Quando ele disse que gostava de Roberto Carlos lembrei-me que tinha algumas músicas do “Rei” no meu Ipod. Passei a ele o aparelho e ao colocar ao ouvido me senti muito satisfeito em ver o largo sorriso que saiu de seu rosto. Ele estava maravilhado com a pureza do som nos seus ouvidos. Resolvi parar de fazer perguntas e deixá-lo aproveitar aquele momento.

Chegamos à chácara e seu amigo tinha saído. Eu disse que não haveria problemas. Poderíamos continuar a caminhada apesar o forte sol que fazia. Foi quando ouvimos o apito de um trem. Andres comentou que era o trem turístico que levava a torre de Manaca-Iznaga um atrativo da região. Posicionei-me em um local propício e aguardei a passagem do trem a vapor para tirar fotos.

Depois de ter caminhado uns oito quilômetros e ter visto dezenas de turistas passando a cavalo por mim comecei a questionar se tinha tomado a decisão correta. Foi quando encontramos um local bem agradável onde vendiam água e refeições. Pedi uma água e deitei-me numa rede para descansar e conversar com o pessoal. Andres tratou de verificar a possibilidade de encontrar uma charrete para prosseguirmos com o caminho.

Eu, sem pressa e preocupações desfrutava daquele ambiente natural com frutas, flores e canto de passarinhos. Andres voltou com uma ótima notícia. Tinha encontrado uma calesa.

Despedi-me das simpáticas atendentes e embarquei na aventura. O condutor chamava-se Romário. Sim, o nome era em homenagem ao jogador brasileiro. Romário comentou que seu irmão se chamava Ronaldo, também em homenagem ao outro ídolo brasileiro. Chicoteando a bunda do cavalo arrancamos em busca da cachoeira que é o destino da maioria dos passeios a cavalo.

Havia chovido muito durante aquela semana e, por isso, o caminho estava repleto de lama e de superfícies irregulares. Em muitos momentos Andres se segurava em mim com medo de cair. 

Achávamos engraçado. Em algumas vezes tínhamos que descer da charrete para tirar o peso e facilitar a vida do cavalo. Mesmo com todas as armadilhas do caminho era possível contemplar a exuberante beleza do vale.

Quando nos aproximamos da entrada da cachoeira Andres disse que tentaria fazer com que eu não pagasse a entrada que é cobrada aos turistas. Romário ficou nos aguardando enquanto seguimos a pé para a cachoeira.

Depois de uma breve caminhada já víamos os diversos cavalos que transportavam os turistas. 

Caminhando mais um pouco já podíamos ver a queda d´água e a piscina natural de cor verde turva. Um violeiro tocava e cantava algumas canções em busca de trocados.

Dei um bom mergulho e quando conversava com alguns europeus fui convidado a conhecer o coco loco. Prestei atenção no preparo para poder fazê-lo no Brasil. Em um cocô gelado, com a quantidade de água próximo à metade adiciona-se mel, limão e rum. Uma delícia!

De fato tentei reproduzir a bebida, porém acredito que errei nas proporções das quantidades dos ingredientes. Acho que se fosse vendida no Brasil seria um sucesso. Eu pelo menos nunca vi.

Ficamos quase uma hora na cachoeira e resolvemos voltar. Reembarcamos na charrete e percorremos embaixo de sol mais alguns quilômetros de estrada de terra acidentada. No caminho apareceram várias vespas o que deixou Andres com medo. Romário dizia para não falarmos alto para não atraí-las.

Depois de alguns quilômetros de sacolejo Romário nos deixou no início da subida da estrada para a cidade. Perguntei a Andres quanto deveria pagar a Romário e entreguei 10 CUCs ao rapaz de 18 anos.

Sem pressa subimos pelo mesmo caminho para chegar à cidade por volta das 13hs. Estava exausto e com uma dor esquisita no estômago. Puxei 10 CUCs do bolso e dei a Andres. 

Combinamos um local para nos encontrarmos no dia seguinte para que ele me levasse a Torre de Manaca-Iznaga. Pelo jeito ele resolveu que não trabalharia o dia seguinte para estar comigo.

Ao voltar para a pousada estava com sede e no caminho, ao ouvir a música de uma banda e ver um grupo de turistas em um restaurante resolvi entrar. Comprei uma água e fiquei observando um senhor que fazia uma demonstração de confecção de charutos. Ele enrolava as folhas de tabaco para fazer um pequeno charuto. Surpreendentemente ao terminar o cigarro ele ofereceu a mim e logo acendeu o isqueiro.

Queria descansar, e por isso voltei para a pousada para dormir. Tive um desarranjo intestinal provavelmente ocasionado pela lagosta da noite passada.

Dormi profundamente e acordei melhor. Resolvi sair para dar uma caminhada e fazer um câmbio. 

Caminhei algumas quadras quando por coincidência avistei Andres. Posicionei-me de maneira que pudesse dar-lhe um susto. Quando toquei nele e ele se virou, exclamou meu nome feliz da vida.

- Dioooogooo!!! Olha o que eu comprei com o dinheiro que você me deu!

Mostrou-me algumas sacolas com legumes que levaria para a casa. Exalava um odor de bebida 
alcóolica e que provavelmente era rum.

Andres, falando um pouco enrolado disse que tinha um plano pra gente.

- Diogo. Meus filhos moram em Taguasco. Numa casa grannnnde! Eu não queria te contar, mas minha mulher se separou de mim e mora na França com um francês. Os filhos ficaram em 
Taguasco que fica perto daqui. Domingo é aniversário deles. Eles são gêmeos. E lá tem carnaval como no Brasil.

E começava a dançar imitando os foliões.

-Quero que você venha comigo!!! Você vai pagar tudo em moeda local.

Fiquei meio reticente. Aceitaria o convite de Andres? Quais seriam os riscos? Parecia que ele precisava meu apoio financeiro para poder ir.

Vi que algumas crianças jogavam ping pong e pedi para brincar com eles. Desviando um pouco a atenção do pedido de Andres podia pensar um pouco sobre qual seria minha resposta. Enquanto jogava Andres via a partida e mostrava que torcia por mim. Era uma situação engraçada. Joguei algumas partidas e lembrei os velhos tempos de escola quando era um grande jogador. Apertei a mão dos garotos agradecendo as partidas e comecei a andar com Andres que voltava a tentar me convencer da viagem falando mais sobre o lugar. Dizia que um de seus filhos mandava bem na informática e que eu teria acesso à internet, que o carnaval era imperdível e que seu outro filho era boxeador.

Entrei no melhor hotel da  cidade, o Iberostar Grand Hotel, para fazer o câmbio. Quando voltamos a caminhar Andres encontrou dois sobrinhos que passaram a caminhar conosco. Foi quando avistei alguns adolescentes jogando futebol. Não poderia deixar de ter essa experiência. Era um “gol caixote” improvisado com duas pedras em um terreno de concreto levemente inclinado. 

Todos estavam calçados, porém eu tinha saído de chinelo e por isso resolvi jogar mesmo descalço.

Foi difícil acompanhar o ritmo da galera. Ganhamos um jogo e perdemos o outro. Senti que estava fora de forma. Fazia tempo que não corria e os charutos fumados alguns dias antes não ajudaram em nada.

Mais uma vez agradeci a receptividade dos cubanos e segui o caminho de volta com Andres e seus sobrinhos.

Contente com o final de tarde esportivo disse a Andres que estivesse em frente à minha pousada no dia seguinte às 8hs. Ele ficou muito feliz de eu ter aceitado seu convite.

Voltei para a pousada, descansei mais um pouco e ao anoitecer dei uma saída para ver o movimento. Resolvi seguir um pessoal e a música que era ouvida à distância. Cheguei a uma praça onde havia uma apresentação a céu aberto. Era a Casa de la Música. Ainda abatido pela lagosta evitei beber cerveja. Pedi um daiquiri e sentei junto com diversos turistas em uma escadaria para assistir aos artistas que se apresentavam em ritmos que iam da rumba ao son.

O ambiente era bem diferente. Casas antigas, luzes quentes e muita música tradicional. Músicos de altíssima qualidade! E de graça!

Resolvi voltar para a pousada cedo para ajeitar meus pertences já que deixaria Trinidad na manhã seguinte.



Dia 6 –Trinidad / Taguasco, dia 03 de novembro (sábado).

"Condenem-me, não importa, a história me absolverá" – Fidel Castro


Ao acordar pedi café da manhã na pousada e enquanto era preparado fui até a rua para ver se Andres estava me aguardando. Ele estava na esquina conversando e quando me viu acenou. Pedi para que esperasse um pouco.

Ao tomar o café, conversava com a dona da pousada e comentei que iria para Taguasco. Ela me olhou com cara de surpresa e disse que lá não teria muito o que fazer. Mostrou-se um pouco preocupada perguntando-me com quem iria. Expliquei a ela que Andres, morador de Trinidad seria meu guia. Ela disse que eu era adulto e por isso sabia o que fazia.

Ainda estava com dor de barriga e tinha que ser criterioso na hora de comer. Peguei minha mochila e me despedi de Yirina e seus filhos. Cumprimentei Andres e começamos a caminhar. Eu levava em mãos minha câmera profissional.


Começamos a caminhar rumo à saída da cidade. De repente alguma quadras adiante lembrei-me da pequena câmera que levava na viagem. Resolvi tentar localizá-la na mochila, mas não me lembrei de tê-la guardado. Como não a encontrei, disse a Andres que devia ter esquecido no quarto da pousada. Ele fez sinal a um cocheiro e voltamos para a pousada de charrete.

Por sorte já estavam arrumando o quarto e tinham encontrado. Fiquei aliviado e voltei a embarcar na charrete com a qual fomos até um terminal de ônibus.  Perto dali Andres pegaria uma muda de roupas com seus familiares.

No entanto ele não encontrou quem procurava. Disse que não teria problemas e que iríamos mesmo assim. Pediu para que eu aguardasse para que ele tentasse arrumar uma carona.  Depois de uns 15 minutos ele voltou dizendo que seria melhor pegarmos outra charrete para a saída da cidade onde seria mais fácil.

Contei 13 pessoas em cima da charrete. Era uma situação engraçada. Logo chegamos a um trevo na saída da cidade. Andamos e chegamos ao que parecia ser um ponto de ônibus. Andres me disse que esperaríamos a guagua. Brincando com uma criança fiquei aguardando.

Em pouco tempo o veículo chegou. Era um caminhão azul com uma carreta adaptada. Tivemos que ser rápidos para podermos entrar.

O caminhão tinha teto e aberturas laterais. Parecia um veículo de transporte de animais. Como os assentos estavam cheios tivemos que viajar em pé. Mesmo assim eu estava satisfeito. Lembro-me que pensei que ter aceitado o convite de Andres de ir a Taguasco já valia pela experiência de hacer la botella, ou seja pegar uma carona, na maneira cubana. O vento batendo no rosto e a 
bela paisagem eram dignas experiências de uma autêntica viagem a Cuba.

Descemos na estrada e Andres me apontou o caminho para chegar a Torre de Manaca-Iznaga. 

Disse que ficaria a margem da rodovia para agilizar um novo transporte para Taguasco. O sol era forte e vagarosamente comecei a caminhar. Cruzei a linha férrea e passei pelas barracas de artesanato sendo constantemente assediado por vendedores principalmente de tecidos decorativos.

Paguei a entrada para conhecer a vista da torre amarela que tinha aproximadamente oito andares. Do alto via-se o vale onde no passado os donos do engenho controlavam os vastos campos de plantação de cana. Quando desci não resisti à promoção de uma vendedora. Resolvi comprar um pano de mesa para levar para casa. Era uma técnica diferenciada de cortar o tecido com uma tesoura criando harmoniosos desenhos.

Parei também em outra construção antiga antes de voltar para a estrada. Fiquei com vontade de comprar uma coleção dos cinco mais famosos cantores de Cuba, eternizados no documentário Buena Vista Social Club (Compay Segundo, Ibrahim Ferrer, Omara Portuondo, Raúl Gonzales e Uchoa), mas achei melhor poupar o dinheiro. Na volta tive a sorte de ver chegando aquele trem turístico a vapor que observei no dia anterior. Tirei algumas fotos da composição que fazia um grande ruído pela pressão do vapor.

Tomei um refresco e encontrei com Andres que viu um caminhão chegando à entrada da estrada. 

Ele me chamou e foi fazer sinal para o motorista que parou e concordou em nos levar até Sancto 
Spíritus.

Sentei-me na parte de trás da cabine do caminhão. Era a primeira vez que andava em um caminhão daquele porte. Era um Peugeot que transportava areia para construção. Muito simpático o motorista sempre sorridente conversava conosco sobre vários assuntos. Sem muita cerimônia tirei o tênis e deitei-me no que devia ser a cama do motorista. Não acreditava que as coisas estavam fluindo com tanta facilidade. Era um tipo de aventura que nunca vivenciei no Brasil.

Quase uma hora depois chegamos a um local onde o motorista depositou a areia. Ele nos levou até o centro de Santo Spíritus de onde pegaríamos um taxi local para Taguasco. Dei 10 CUCs para o motorista que se despediu mais uma vez sorrindo.

Andres mais uma vez me orientou para não falar nada para que não percebessem que era estrangeiro. Também perguntou se eu tinha uma muda de roupa para lhe emprestar. Ele queria estar mais bem apresentado para ver seus filhos. Emprestei-lhe uma bermuda preta e uma camisa azul com o escudo da seleção brasileira de futebol. Ele foi até um banheiro para se trocar. E em pouco tempo já estávamos fazendo a última parte da viagem no taxi compartilhado com outras pessoas.

Chegamos a Taguasco por volta do meio dia. Caminhamos algumas quadras até chegar a casa onde moravam os filhos de Andres. André e Andy. Fui apresentado para a avó dos meninos e outros membros da família como Niño.

Fui muito bem recebido! Eles me reservaram uma cama e um espaço no armário. E os meninos se mostraram interessados em conhecer o novo amigo brasileiro. Perguntaram se eu tinha música para lhes passar orgulhosos por saberem usar o computador. Passei umas músicas que tinha em pendrive. Sabia que seria solicitado.

Quando Andres falou que André lutava boxe os meninos pegaram as luvas e começaram a fazer uma pequena demonstração para mim. Ficamos mais um pouco em casa e logo saímos para ver o 
início do carnaval.

Chegamos à rua principal onde já havia muitas pessoas. Eram pessoas simples assim como a estrutura da festa. Tinha música ao vivo e uns carros que vendiam cerveja em gigantescos barris. 

Como eu ainda estava com o estômago debilitado, pedi para que me mostrassem um restaurante onde poderia comer um filé de frango com arroz. Todos me acompanharam. Os meninos e seus amigos, Andres e Niño.

Andres chamou os meninos para irmos a um parque de diversões. Fiquei tirando fotos das crianças que foram em um tipo de “barco viking” e outros brinquedos. Quando andávamos Andres me apresentava a todos os seus conhecidos. Nunca apertei a mão de tantas pessoas. Parecia um candidato em tempos de eleições.

À tarde fomos para um “barracão” onde havia apresentações musicais. Música antiga em um lugar cheio de gente simples e sincera. Enquanto eu observava o pessoal se divertindo monitorava Andres e Niño que secavam a garrafa de rum.

Voltamos para casa para os meninos se trocarem para desfilarem no carnaval da cidade. Fui informado que a casa estava com problemas hidráulicos e por isso não chegava água nos canos. 

Por isso, Marta pediu para Niño buscar água fora da casa em uma bomba manual. Parte da água ela esquentou para eu tomar um banho.

Fazia tempo que eu não tomava “banho de caneca”. E as condições do banheiro não eram boas. 

De chinelo tomei um banho rápido para podermos acompanhar e eu registrar com minha câmera, conforme pediu Andres, o desfile dos seus filhos.

Durante a concentração do bloco Los Cubanitos fui apresentado à gurizada e fiquei conversando com eles. Sabendo que eu era brasileiro perguntavam sobre o carnaval brasileiro. Contei que tinha ido ao carnaval do Rio de Janeiro naquele ano e que era lindo. A bateria começou a esquentar e saí para começar a registrar o evento.

Devagarinho os cubaninhos seguiam a bateria e arriscavam os primeiros passos carnavalescos. A levada da bateria era diferente da nossa, porém também muito animada. Chegamos à rua principal e a escola de samba foi calorosamente recebida pelo público. Perdi-me de Andres e fiquei aguardando o término para me juntar aos meninos.

Registrei também a dispersão dos pequenos e o lanchinho que fizeram para repor as energias. 

Estava cansado. Encontrei Andres e disse que queria voltar para casa e dormir.

Chegando em casa assistimos um pouco de televisão antes de descansarmos.



Dia 7 – Taguasco / Varadero, dia 04 de novembro (domingo)

“Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o grande revolucionário é feito de sentimentos de amor”. Che Guevara



Quando acordei bem cedo e abri a porta do quarto me surpreendi ao ver Niño estirado no chão da sala dormindo de barriga pra cima. Ele acordou e eu perguntei por que estava ali. Ele disse que estava acostumado. Mas na verdade imaginei que ele não queria me incomodar.

Andres também acordou. Tomamos um café puro e Ninõ me chamou para ver um abatedouro de porcos. Era bem cedo e no quintal de uma casa, sem condições de higiene, vi dois homens cortarem as partes de um porco numa cena que não estou acostumado a ver.

Voltamos a casa e logo saímos novamente. Disse a Andres que precisava fazer duas coisas. Ligar para casa para cumprimentar minha mãe por seu aniversário e trocar alguns dólares. Não consegui completar a ligação e, como era domingo não havia nenhuma cadeca aberta para trocar o dinheiro.

Encontramos Ariel, um amigo deles que estava virado da noite de carnaval que nos indicou uma pessoa que poderia trocar o dinheiro. Fomos a casa dessa pessoa e quando fui apresentado como brasileiro, mesmo não tendo necessidade de trocar o dinheiro ele o fez querendo me ajudar. Ele me convidou a entrar em sua casa me mostrando orgulhoso seu equipamento de som trazido à pouco tempo dos Estados Unidos. Conversamos um pouco e logo nos despedimos.

Os rapazes resolveram me levar para explorar os arredores da cidadezinha de Taguasco. 

Chamamos um cocheiro e paramos em uma lanchonete para complementar nosso café da manhã.  

Comi um sanduíche com presunto.

Voltamos para a charrete e seguimos para a zona rural. Chegamos a casa de um familiar de Niño e conversamos um pouco antes de voltar a cidade.

Na rua principal os dois bebiam a cerveja vendida nos grandes barris e eu resolvi me juntar às crianças no segundo dia de folia de carnaval. Enquanto esperávamos a continuidade das danças um homem com um microfone na praça chamou as crianças para uma gincana. Um dos monitores vestia a camisa da seleção brasileira e começou a organizar jogos entre duas equipes.

Enquanto ocorria a disputa entre as crianças com cenas muito engraçadas o narrador passava lindas mensagens. Dizia que por mais que perdessem o que importava era não desistir. Que tinham que manter a concentração no que estavam fazendo. Eram lindas frases educativas.  

Fui tomado por um sentimento de emoção e, se por alguns momentos tive dúvidas de se devia ter ido para Taguasco, ver as crianças e a importância que os pais e os monitores davam a elas me fez ter a convicção de que tinha que estar ali. Era uma gincana simples como o lugar, porém as crianças divertiam-se como há muito tempo eu não via. Tive a certeza que minha passagem por 

Taguasco não tinha sido em vão.

Comecei a pensar sobre como poderia aproveitar meus últimos dias em Cuba. Por duas vezes tive a oportunidade de ir à praia, porém optei por não ir. Desta vez achei que essa era uma experiência que não poderia deixar de realizar. Afinal estava no Caribe.

Era o dia do aniversário dos meninos. Por isso dei um dinheiro para que Andres pudesse comprar algo para o filho. Expliquei para Andres que decidira ir para Varadero. Um pouco borracho ele tentava me convencer de que não era uma boa ideia. Dizia que lá tudo era muito caro e que iam me cobrar por “pisar” na areia.

Com bastante paciência expliquei que não poderia sair de Cuba ser conhecer uma praia. Ele me ajudou a ver qual o horário de saída do ônibus para Sancto Spíritus. Eu voltei para a casa para aprontar minha mochila. Ele já passaria lá. Passei em um mercado onde comprei leite em pó, pão e outros mantimentos para a família. Entreguei tudo para Marta. Próximo ao horário de que deveria sair para a rodoviária Andres não havia chegado.

Despedi-me do pessoal e as crianças me levaram ao ponto de encontro. Andres não estava lá. 

Passada quase meia hora, nem o ônibus nem Andres chegou. Resolvi procura-lo. Estava bem agitado. Andei pra cima e pra baixo e com muito custo encontrei-o completamente bêbado com Niño. Pedi explicações e também para que me devolvesse minha bermuda, uma das poucas que tinha. Eu tinha levado um shorts de Niño e entreguei a ele para que trocasse.

O ônibus estava atrasado e por isso voltamos à rua principal onde Niño, que parecia ser muito mais resistente ao álcool, me mostrou um local onde eu poderia pedir uma carona. Andres insistia que ia conseguir outra maneira de transporte. Ele estava incomunicável, mas queria me ajudar.

Fiquei alguns minutos e não tive sucesso. Niño atravessou a rua e perguntou se eu tinha uma nota de dinheiro. Mostrou-me como eu deveria enrolar a nota entre os dedos para facilitar o pedido. E foi assim que o primeiro veículo que chegou, um utilitário branco, parou para me levar. 

Era um casal com uma filha. Eu disse que meu destino final era Varadero. O homem disse que me deixaria próximo à Matanzas e que de lá ficaria tudo mais fácil.

Entrei na caçamba do carro e acenei para Niño e as pessoas que me assistiam no início de mais uma trip. Lamentei deixar Taguasco sem sair numa boa com Andres. Mas, a aventura tinha que seguir.

Estávamos muito próximo à Carretera Central e estava empolgado com a nova experiência de pegar uma carona, sozinho e também com a incerteza de se seria ou não fácil chegar a Varadero e arrumar um bom lugar para ficar.

Coloquei meu Ipod para funcionar, ajeitei minhas coisas de modo que a mochila fosse meu travesseiro e deitei-me confortavelmente de costas para a frente do carro. Sentia-me em um filme e tinha a certeza de que aquele momento nunca mais seria esquecido. Nunca me senti tão confortável em uma caçamba de um carro.

A estrada não é tão bem cuidada, mas também não estava em más condições. É larga e tem recorrentes desvios bem peculiares. Ao longo do percurso, assim como em algumas estradas do Brasil comerciantes vendem frutas.

Paramos em um posto para abastecer e me surgiu uma ideia. Sabia que a família estava indo para Havana. Estudando o mapa percebi que eles poderiam ir para lá passando por Varadero. O desvio seria de uns 80 km. Ofereci um determinado valor para ver se ele aceitava. Ele disse que não.

Tudo bem! Continuamos o trajeto de quase três horas enquanto eu admirava a natureza e os veículos que passavam por nós. De repente o carro parou. O motorista saiu e disse que poderia fazer o desvio se eu pagasse 70 CUC.

Achei muito caro. Era por volta das 15hs e o dia estava agradável. O sol se poria lá pelas 20hs. 

Agradeci e disse que ficaria no local combinado.

Passadas quase 3 horas o carro parou ao lado de uma pick up que estava no acostamento. A pessoa que me deu carona pediu algumas instruções para um senhor do outro carro. Eu desci e ouvi as informações de como eu chegaria até Matanzas.

Agradeci aos dois e comecei a caminhar para onde teria um taxi compartilhado que me levaria a uma pequena cidade para de lá pegar um ônibus para Matanzas e Varadero. Logo um homem veio falar comigo para oferecer-me ajuda. Disse para eu ir caminhando até encontrar o ponto de taxi. 

Fiz algumas perguntas a ele e logo após uns 500 metros aquele mesmo senhor da caminhonete parou ao nosso lado oferecendo carona. Além de aceitar levei o cara que estava trocando ideia comigo.

Apresentamo-nos e o senhor Lionel disse que teria que ir até um vilarejo encontrar uma pessoa para deixar uns pneus. Ele sabia o nome da pessoa e sua função, porém não sabia o seu endereço.

Paramos para pedir informação a uma pessoa na rua. Lionel perguntou.

-O senhor conhece Alberto, gerente da policlínica?

Paramos mas adiante, perguntamos novamente e uma mulher disse que já tinha ouvido falar, mas não sabia onde era a casa dele. Outra disse que ele morava umas ruas mais acima.

A verdade é que a situação era engraçada e, para mim, curiosa. Como é que o senhor Lionel ia entregar os pneus sem saber o endereço. Lembro-me que eu e o outro rapaz ríamos da situação mesmo estando comprometidos em encontrar o destino. Perguntamos tanto que encontramos. Missão cumprida!

Dei um trocado para o rapaz que me ajudou e partimos para Colón, a cidade onde Lionel morava.

Começamos a conversar e descobri que ele serviu o exército logo após a revolução cubana. 

Contou-me  sobre algumas passagens de sua vida como as duas vezes que esteve na Ângola em missões. Contou que faz parte do Partido Comunista e como a organização realiza suas reuniões locais para discutir as questões sociais. Era a história, contada ao vivo, e não em livros, jornais ou revistas.

Eu estava muito satisfeito em conhecer aquele senhor que à medida que eu o interrogava como um exímio jornalista, contava suas histórias enquanto dirigia sua pick up 4x4 pelas pequenas estradas que cortavam as diferentes paisagens campesinas. A tarde caía e ia ficando escuro.

Lionel me passou algumas instruções e me deixou em uma esquina em sua cidade. Sinceramente não lembro o nome. Estava escuro e logo localizei um taxi daqueles compartilhados. Eu era um dos primeiros a chegar e sem abrir a boca esperava que mais pessoas chegassem. Mas na verdade estava ansioso para chegar logo em Varadero e arrumar um lugar para ficar.

Cheguei perto do motorista e comecei a conversar. Ele perguntou de onde eu era e quando falei que era brasileiro ele ficou contente. Perguntei se já podíamos partir e ele disse que tinha que esperar só mais uma pessoa chegar. Eu disse que não tinha problema. Eu pagaria por duas. Ele perguntou para onde eu iria e quando eu respondi ele disse que poderia fazer um bom preço para me levar para meu destino final. Ele deu uma enrolada e logo chegaram mais duas pessoas.

Partimos para Cárdenas no começo da noite e algo inusitado acontecia. Eu via grandes caranguejos atravessando a estrada. Pareci uma miragem e para ter certeza eu perguntei ao motorista o que estava acontecendo. Ele disse que aquilo era normal.
Caranguejos cubanos suicidas?!

Ao chegarmos o motorista perguntou se eu queria que ele me levasse por um preço que não considerava mais duas outras pessoas no carro. Era como se eu pagasse por todos. Eu agradeci e disse que pegaria outro transporte e pagaria somente minha parte. Ele disse que eu tinha falado que pagaria o trecho por dois. Sim, eu pagaria por dois para sair mais rápido. Mas para não perder meu tempo discutindo dei o dinheiro e saí do carro.

Logo percebi um novo movimento de taxi para Varadero. Um sujeito alto e forte, com chapéu de cawboi e cara de mal encarado arrebanhava as pessoas para o seu carro. O trecho entre Matanzas  e Varadero era mais curto, porém mais caro graças ao apelo turístico.

Fiquei esperando e desta vez não cometeria o erro de mostrar que tinha pressa. Fiquei ao lado do rapaz e de vez em quando fazia umas perguntas sobre a cidade. Ele perguntou se eu tinha lugar para ficar. E eu disse que não. Ele falou que poderia me indicar uma casa familiar. Sem mostrar muito interesse disse que ele poderia me levar até lá, mas sem compromisso.

O rapaz perguntou se eu queria pagar para partimos naquele momento. Eu disse:

-No, no te preocupes. Sin apuros...!

Ele percebeu que eu era osso duro de roer. E logo partimos.

Em menos de meia hora estávamos na frente da casa de uma senhora que alugava um quarto. 

Fomos recebidos pelo filho dela, Camilo que mostrou o a caminho do quarto. Temendo que o cawboi me pedisse um dinheiro pela indicação dei logo o dinheiro certinho em sua mão e segui Camilo. Ele ficou meio reticente, mas era minha maneira de fugir da exploração a qual estava sendo alvo naquela tarde.

A dona Migdalia me passou o preço de 30 CUCs, mas eu disse que pensava que era 25 CUCs. Ela disse que tudo bem. E assim fui feliz tomar um banho de água quente como não fazia há uns dois dias. Lembro-me que a toalha branca ficou até suja depois do banho. Fiz a barba, que tinha deixado crescer o que me fez ficar com a cara de Che Guevara e que já coçava um pouco. Como estava bem cansado coloquei o despertador para às 23hs e dei uma boa cochilada no quarto limpinho, com televisão, frigobar, ar condicionado, ou seja, tudo o que eu merecia.

Acordei renovado e querendo explorar Varadero. Parei numa lanchonete e comi uma pizza com cerveja. Cheguei perto da praia, mas fiquei meio receoso de explorar o local, pois não havia iluminação. Fui até um hotel para ligar para casa. A ligação caiu na secretária eletrônica e deixei uma mensagem de feliz aniversário a minha mãe.

Saí do hotel e resolvi buscar o movimento de um bar. Peguei um taxi, desta vez um exclusivo e pedi para que ele me deixasse no agito de Varadero. Cheguei a um bar chamado Calle 62 e como já estava recuperado do estômago não hesitei em pedir um Mojito. O bar estava vazio, mas logo encheria. Fiquei na mesa sozinho assistindo a banda tocar e continuando a beber, desta vez cerveja.

Conheci Chester Gutierrez, um fotógrafo que fazia suas fotos aproveitando que aquele era um bar cheio de turistas estrangeiros. Logo já estava conhecendo outras pessoas entre elas uma loira um pouco mais velha em um vestido vermelho, assim como a sua sobrinha. O fotógrafo a conhecia e ela me perguntava para onde eu iria as levar.  Eu disse que elas que teriam que sugerir, pois eu tinha acabado de chegar a Varadero.

Elas disseram que o point era em uma balada que ficava em um hotel e que teríamos que tomar um taxi até lá. Beleza! Resolvi ir com elas. Na hora de pagar o taxi mostrei todo o dinheiro que tinha, suficiente para o taxi, porém mal dava para pagar minha entrada na balada.

Mas para mim estava tudo bem. Nem precisava entrar na balada, porém parecia que elas estavam decididas a entrar. De repente chegou um rapaz e perguntou se ela se lembrava dele. Parecia que não, mas ele começou a contar que tinha ido morar na Alemanha, e começou a envolver Teresa. 

Em menos de 5 minutos ele já estava as convidando para entrar e certamente bancando a entrada das duas que sem cerimônias somente acenaram para mim.

Senti-me traído! Saí andando dali como se tivesse tomado um choque de realidade. Estava envolvido pela aparente simpatia da moça e pelo álcool que corria em minhas veias e não pude perceber que de uma hora para outra poderia ser trocado por qualquer outra pessoa que pudesse patrocinar a diversão da noite.

Mas se ao mesmo tempo fiquei com raiva também me sentia orgulhoso por não me deixar ser explorado. Caminhei de volta para a Calle 62 conheci um rapaz com o qual fiquei bebendo e fumando por um tempo quando de repente acabou a luz na cidade. O rapaz era taxista e foi fazer uma corrida. Com o bar já fechado eu fiquei entre os funcionários que conversavam naquele breu. 

Resolvi ir embora quando escutei na rua principal a aproximação de uma moto. Quando olhei para 
trás era um coco taxi. Não hesitei em fazer gesto para que parasse e me levasse até a casa onde estava hospedado.

Filmei o trajeto muito alegremente e fechei com chave- de- ouro um dia bem longo, cheio de aventuras. Queria dormir para acordar o dia seguinte bem cedo para curtir a praia de Varadero.




Dia 8 – Varadero, dia 05 de novembro (segunda-feira)

 “Em nenhum momento e em nenhuma circunstância um comunista deve colocar os seus interesses pessoais em primeiro plano; pelo contrário, ele deve subordiná-los sempre aos interesses da nação e das massas populares. É por isso que o egoísmo, o relaxamento no trabalho, a corrupção, o exibicionismo, etc, merecem o maior dos desprezos, enquanto que a entrega desinteressada, o ardor no trabalho, devoção à causa pública, o esforço intenso e tenaz merecem todo o respeito. Seja em que momento for, um comunista deve estar pronto a persistir na verdade, pois a verdade concorda sempre com os interesses do povo...”. Mao Tse-Tung, líder comunista chinês.


Nem precisei colocar o despertador par acordar bem cedo. Estava ansioso para ver o mar do Caribe. Caminhei uma quadra e meia e atravessei a folhagem que divide a areia da pequena rua que margeia a praia. Deparei-me com uma mistura de cores frias, era como uma pintura em aquarela com pouco contraste entre a cor do céu, do mar e da própria areia.

Nessa latitude, e nessa época do ano a noite vira dia em um ritmo mais lento do que estou acostumado a ver no Brasil. Como era cedo a areia ainda estava um pouco fria e pouquíssimas pessoas caminhavam pela praia. Eu estava muito satisfeito em estar ali e com um grande sentimento de paz interior. Fiquei alguns minutos admirando aquelas cores quando meu estômago me lembrou que tinha que comer algo. Saí da praia e no primeiro negócio que encontrei resolvi pedir um sorvete de massa de chocolate. Era um café da manhã incomum para combinar com um amanhecer também incomum.  Deliciei-me com o sorvete e logo voltei para a praia.

À medida que caminhava o dia esquentava e as cores ficavam mais fortes. O céu azul escuro, a água verde claro e a areia um bege claro. Com os pés na água morna vi um lindo peixe transparente e achei incrível. Não menos impressionante foi ver um único e belo pelicano fazendo incursões ao mar em sua pescaria matutina.

Eu estava bobo rodeado de tanta beleza e caminhava sem a mínima pressa com o objetivo de não perder nenhuma boa foto. Localizei bem longe uma estrutura esportiva e resolvi ir até lá para conferir.

Na frente de um resort havia uma quadra de vôlei de praia. De um lado uns rapazes loiros que pareciam ser do leste europeu. Do outro, pessoas que tinham diferentes nacionalidades. O sol estava muito forte e por isso caprichei no protetor. Resolvi pedir para jogar e fui bem recebido.

Aos poucos fui mostrando meu talento. Uma cortada ali, uma defesa acolá. E os russos perguntaram qual era minha nacionalidade. Quando disse que sou brasileiro eles fizeram aquela cara de que estava explicado. Nosso vôlei é referência mundial!

Mas aos poucos eu torcia para que o jogo terminasse já que suava muito e tinha medo que me queimasse demais. Assim que acabou a partida caímos na maravilhosa água do mar e lá eu troquei uma ideia com dois cubanos, monitores do resort. Perguntei como era o cotidiano deles e se por trabalharem no resort tinham uma vida diferenciada do cubano comum.  Eles disseram que não. Raramente comiam o mesmo tipo de refeição dos hóspedes e que os salários também não fugiam da média nacional.

Ao sair da água estava com muita sede e não havia nenhum lugar onde pudesse comprar algo. 

Resolvi dar uma de esperto. Percebendo que os hóspedes tinham uma pulseira de identificação, enrolei a alça de câmera fotográfica no pulso e me aproximei do bar localizado na própria areia da praia. Como o hotel tinha o sistema all inclusive era só pedir a bebida. Aproveitando que a maioria dos hóspedes ia de chopp peguei o meu. Encostei logo ao lado e conheci um senhor Argentino que perguntou qual era o modelo da minha Nikon.

Um chopinho não era o suficiente. Pedi mais um e voltei a conversar. Passado uns 10 minutos a ele se despediu e resolvi pegar meu último copo. Foi quando o atendente desconfiou de mim e perguntou se eu era hóspede. Eu disse que sim. Ele pediu para ver minha pulseira. Acabei admitindo que não estava hospedado epedi para pagar pelos chopps. Porém ele disse que não vendiam. Desculpei-me e resolvi sair à francesa.

Passei por uma escola de mergulho para verificar se haveria saídas naquele dia, mas não havia.

Caminhei de volta pela areia e resolvi buscar algo para comer. Vi um belo restaurante e tive a ideia de utilizar meu cartão de crédito pela primeira vez em Cuba.  Fui muito bem recebido e pedi para me cobrarem antes de me servir para ver se meu cartão funcionaria.

Achei diferente eu não ter que digitar a senha para fazer a compra. Mas de qualquer maneira percebi que com o cartão de crédito poderia afrouxar um pouco meu controle financeiro.

Comi bem! Um peixe delicioso com camarões graúdos e tomei um suco de abacaxi. Saí satisfeito e ao caminhar para fazer digestão fiquei com vontade de fazer compras ao ver vários souvenires. 

Comprei uma bandeira de Cuba, uns imãs de geladeira, bolsas para presente etc. Levei as coisas para casa e resolvi prorrogar minha estada em Varadero.  Iria embora ao dia seguinte.

Ao sair de casa encontrei Chester, o fotógrafo da noite passada. Trocamos uma ideia e logo ele teve que ir cobrir um evento. Ele disse que talvez pudéssemos nos encontrar à noite no mesmo bar.

Fui até um banco para fazer um câmbio e logo resolvi embarcar no fim da tarde no ônibus turístico double deck que dava uma boa volta por Varadero.  Fiquei no piso superior e comecei a ver o balneário por uma nova ótica. O ônibus parou num ponto estratégico e fomos informados que ficaríamos ali por 15 minutos. O sol ameno estava muito gostoso e para aguardar em grande estilo aceitei uma Piña Colada trazida por um garçom do restaurante mais próximo.

Continuamos o passeio voltando pela avenida principal com sentido a área hoteleira. Fiquei impressionado com a quantidade de hotéis e à medida que anoitecia o vento frio começava a incomodar. Grandes cadeias hoteleiras internacionais estão representadas ali.

Depois do longo percurso cheguei à casa de dona Migdalia e vi Camilo sentado tentando consertar uma cafeteira. Os cubanos são ótimos reparadores de tudo devido à falta de peças de reposição.

Fui até o quarto pegar uma Cristal geladinha e sentei na varanda junto com ele para conversar. 

Ele me contou que era engenheiro e que serviu o exército utilizando sua profissão. Contou sobre o avançado sistema de biotecnologia cubano, sobre os principais parceiros comercias de Cuba e me mostrou o jornal cubano Granma comparando-o com um jornal colombiano o qual um amigo o havia enviado. Mostrava quanto que este último era poluído por publicidade e repleto de notícias trágicas. E em contrapartida o cubano que além de notícias do mundo também tinha um ótimo conteúdo sobre notícias locais. Em uma delas havia um comparação entre os enormes estragos que o furacão Sandy tinha feito em Cuba com poucas vítimas e o estrago que o mesmo fez nos Estados Unidos onde muitas pessoas morreram. Enquanto conversávamos Camilo bebericava uma vodca escondido de sua mãe.

Eu estava cansado e resolvi dormir cedo para eu aproveitar mais um dia naquele paraíso natural.




Dia 9 – Varadero / Havana, dia 06 de novembro (terça-feira)

"Esta noite milhões de crianças dormirão na rua, mas nenhuma delas é cubana".  Fidel Castro.

Acordei mais cedo do que na manhã anterior para aproveitar ao máximo os últimos momentos em Varadero. Comi umas torradinhas que tinha no quarto de dona Migadalia e parti para a praia. 

Sentei-me na areia e por algum tempo fiquei pensando na vida no Brasil e nas histórias da viagem.

Resolvi caminhar para a esquerda, lado oposto ao que tinha ido o dia anterior. Logo à frente vi um homem entrando no mar e jogando uma rede. Ele era careca, usava uma camisa regata branca e bermuda jeans. Com paciência buscava a pesca. Lembrei-me do livro de Ernest Hemingway , “O Velho e o Mar”. Comecei a gravar um vídeo dele e logo que ele voltou para a areia o conheci puxando papo sobre como estavam as condições para a pescaria.

Muito atencioso ele explicava sobre os melhores horários para pescar e a dinâmica do mar. 

Mostrava-me as gaivotas e como elas observavam os peixes para dar voos rasantes e pescar sua comida.

Ao pescar um peixe pequeno ele destroçou-o e jogou ao mar como isca para peixes maiores. À medida que íamos conversando ficou claro que ele pescava mais por hobby do que para ganhar dinheiro com a atividade. Ele chegou a me dizer... “um homem precisa ter um tempo do dia para si, para pensar na vida sem que nada e ninguém o atrapalhe!”.

Conversamos um pouco sobre Cuba e sobre diversos outros assuntos enquanto continuava a pescar. Histórias de pescador. Pescador cubano. Ele emanava uma enorme paz interior e eu estava bem satisfeito em conhecê-lo. Foi um daqueles encontros que só parecem ser viáveis quando viajamos.

Assim, nas areias de Varadero durante uma despretensiosa caminhada despedi-me daquele homem de fala mansa e olhar sereno. E não por acaso seu nome era especial: Jesus.

Nas praias paradisíacas de Cuba encontrei Jesus!

Aproveitei mais um pouco mais da praia e depois fiz minhas últimas compras. Arrumei minha mochila que já estava com quase todas as roupas sujas. Conversei mas um pouco com Camilo que me indicou um cabelereiro e os horários das saídas dos ônibus.

Atravessei a rua e resolvi raspar meu cabelo para mudar o visual para a continuação da viagem. 

Voltei para a casa de dona Migdalia e agradeci a todos pela hospedagem. Imaginei quando seria a próxima vez que visitaria Cuba. E se voltasse certamente buscaria aquela casa para me hospedar mais uma vez.

Com a mochila nas costas e uma sacola cheia de lembranças fui em direção ao banco onde faria uma nova troca de moedas. Quando chegava ao local fui abordado por um taxista me oferecendo uma corrida para Havana. Eu disse que iria de ônibus. Mas ele comentou que iria de qualquer maneira para a capital buscar umas pessoas. Só por curiosidade perguntei o preço e ele me passou um valor razoável, mas mesmo assim mais caro do que o ônibus. Resolvi fazer minha oferta e disse que entraria no banco e voltaria a conversar com ele. Combinei um valor um pouco acima do ônibus, mas que me faria ganhar tempo.

Ao sair do banco ele já me esperava para irmos a Havana.

No caminho pude ver um pouco mais da paisagem do litoral norte. Fiquei curioso ao ver algumas máquinas de extração de petróleo e perguntei ao motorista sobre o assunto. Ele me explicou que Cuba tem boa quantidade deste combustível fóssil. A estrada tinha alguns desvios e a sinalização era bem improvisada.

Ao nos aproximarmos do centro de Havana passamos pelo estádio Pan-americano, que sediou as cerimônias de abertura e encerramento do Pan Americano de 1991. No evento Fidel Castro entregou medalhas para diversos atletas cubanos, que pela primeira vez na história superaram a hegemonia dos Estados Unidos ganhando mais medalhas de ouro, e também à seleção brasileira feminina de basquete que venceu as cubanas na final.

Entramos no Túnel de La Havana, o único existente na cidade e que é considerada uma das sete maravilhas da engenharia cubana, inaugurado em 1958. Ao ouvir que o túnel passa por debaixo do mar lembrei-me da “lenda” do túnel que ligaria Santos ao Guarujá e que ainda hoje não saiu do papel.

Ao som do Reggaeton o taxista me deixou em frente ao museu de Belas Artes.  Agradeci e resolvi ir direto para a casa do Ernesto para aproveitar os últimos momentos em Cuba junto com meu amigo. Peguei outro taxi e fui pra lá!

No bairro do Ernesto passei por praças e vi crianças voltando da escola, outras jogando futebol. 

Há por ali várias embaixadas de diversos países. Ao chegar fui recebido como um grande viajante. 

A mãe do Ernesto se ofereceu para colocar minhas roupas para lavar e eu aceitei. Acho que 
calculei mal a quantidade de roupas que levei. Foram cinco noites e apenas uma pequena mochila de roupas. Na verdade não tinha a certeza de quanto tempo ficaria fora de Havana.

Dona Raquel começou a preparar um jantar típico cubano e à medida que o tempo passava a fome aumentava. Dei a Ernesto um CD do sambista “Diogo Nogueira em Cuba” e ele me transferiu uma coletânea de clipes musicais cubanos para o pendrive que eu havia levado.

A companhia era ótima e o jantar estava maravilhoso, mas mesmo assim me policiei para não comer demais já que sairíamos com os amigos de Ernesto a noite. Ele, porém, comeu muito. Dona Raquel comentou que ele estava de regime, não comia quase nada durante o dia, mas comia muito a noite. Disse a ele que pelo que eu sabia essa não era uma boa estratégia.

Conversamos sobre minha viagem, as aventuras de Trinidad e Taguasco e a beleza do mar de Varadero. Foi quando Ernesto me explicou que aquele mar não fazia parte do Mar do Caribe, mas sim do Oceano Atlântico. Fiquei desapontado... Como assim? Não mergulhei no Mar do Caribe?

Os amigos chegaram, e assim, saímos a pé buscando diversão pela noite. Paramos em um complexo de bares e ficamos conversando e bebendo uma torre de chopp. Um dos amigos de Ernesto, Alexei, estava com sua esposa e já tinha trabalhado em navios da MSC como cabelereiro. Ele tinha um salão na cidade e Ernesto disse que me levaria lá no dia seguinte para que ele reparasse os defeitos do corte que fiz em Varadero.

O pessoal era bem animado. Mas por volta da meia noite os bares começaram a fechar. E assim tivemos que voltar a caminhar em busca de outras opções. Entramos em uma lanchonete e continuamos a bebedeira. Para eles já era o suficiente. Para mim, que queria aproveitar minha última noite cubana e conhecer alguma casa noturna mais agitada tive que me conformar e aproveitar a companhia.

Não tão tarde, voltamos para casa. Uma longa caminhada. Ideal para desabar e dormir. Dividi a cama de casal com Ernesto sem nenhum constrangimento. Afinal, Ernesto é o meu irmão cubano!




Dia 10 – Havana/Bogotá, dia 07 de novembro (quarta-feira).

"Lutam melhor os que têm belos sonhos." – Che Guevara


Acordamos cedo para aproveitar meus últimos momentos em Cuba. Liguei para meu primeiro guia, o Xaveco para encontra-lo e me despedir. Já havia tentado contatá-lo alguns dias antes, porém não obtive sucesso. Por sorte naquele dia consegui. Combinamos de nos encontrar por volta das 10hs em frente ao Hotel Nacional.

Separei na minha mochila algumas roupas para lhe presentear. Entre elas a outra camisa do Brasil amarela e a minha canga, toda colorida com o desenho das fitinhas do Senhor do Bonfim, que a esposa dele tinha gostado. Saímos a pé e passamos em um lugar onde Ernesto pegaria umas coisas de informática. Comprei uma linda mochila de couro com a bandeira cubana para presentear meu pai e continuamos a caminhada. Pelo caminho Ernesto me levou dentro de uma farmácia e me mostrou os remédios que eram distribuídos gratuitamente à população.

Logo estávamos em frente ao famoso hotel e avistamos Xaveco impecavelmente vestido a caráter. Óculos espelhados, calça jeans e camisa de gola. Foi uma imensa satisfação revê-lo e apresentá-lo a Ernesto. Estavam reunidos os meus dois guias.

Fiz minha última troca de moeda e entreguei a Xaveco a sacola com as roupas. Ele ficou muito feliz com a camisa amarelinha. Disse que seria mais fácil conseguir contato com brasileiros ao vesti-la.

Distanciamo-nos do hotel e ficamos conversando algum tempo. Xaveco vivia a euforia da mudança da Lei da Imigração e com ela possibilidade de sair de Cuba para tentar uma vida fora do país. Do outro lado, Ernesto, com ampla experiência internacional não tinha censura ou receio ao falar que teve que conhecer o mundo para poder valorizar cada vez mais a Ilha.

Mas aquele era um encontro memorável de três pessoas com expectativas distintas, mas com muitas coisas em comum. Dentre elas o conhecimento de idiomas e o turismo como atividade de vocação e subsistência.

Xaveco tinha um compromisso e não podia ficar muito tempo. Com toda a gratidão e esperança em um dia reencontra-lo, dei-lhe um forte abraço e mandei um beijo para sua família. Tinha certeza que ao receber a canga Lizandra não veria a hora de ir para a praia estrear a canga.

Seguimos a caminhada e Ernesto resolveu me levar à famosa sorveteria Coppelia. Pedimos nossos sorvetes e curtimos uma das mais comuns atividades de lazer dos cubanos: tomar sorvete e ver as pessoas e o tempo passar. Pura nostalgia!

Logo, conhecemos três espanholas que tentavam se localizar em um mapa. Ao dar algumas instruções decidimos que iríamos ao cemitério. Ernesto tinha me falado que era bem bonito. As garotas seguiram seu caminho e nós o nosso. Perto do cemitério paramos no La Pelota, um bar decorado por fora com imagens de jogadores de beiseball. Fiz questão de entrar e tomar uma cerveja. Pedi uma da marca Polar para experimentar.

O ambiente era peculiar. Extremamente masculinizado e com fotos de estrelas do beiseball. 

Dentre elas, algumas com Fidel, Guevara e Camilo Cienfuegos. Vestiam uma camisa com o nome “Barbudos”. Ernesto me contou um pouco da história do esporte em Cuba que é o maior vencedor de todos os tempos em competições como Olímpíadas e Mundiais. Os grandes rivais são Estados Unidos e o Japão.

Estávamos bem perto do cemitério e ao entrarmos a surpresa foi grande! Se eu achava o cemitério da Recoleta em Buenos Aires bonito, aquele era espetacular! Era um museu a céu aberto muito bem cuidado e rico. Parecia que toda a opulência ausente na cidade estava concentrada na área do cemitério. Incrível! Estátuas, mármores, jazigos das mais diversas crenças conviviam em plena harmonia em um ambiente tranquilo e agradável. Totalmente diferente da maioria dos cemitérios. Valeu a pena!

Continuamos a caminhar, pois Ernesto estava decidido em me levar para reparar meu cabelo no salão do seu amigo Alexei. Demos uma passada por lá e novamente passei a máquina na cabeça. 

Voltamos para casa para que eu pegasse minhas coisas.

Dona Raquel agendou um taxi e tive que partir para o aeroporto com aquele sentimento de alegria misturado com tristeza. Que bela viagem! Que pena ter que deixar este país!

Antes de entrar no aeroporto, a pedido do taxista tive que fingir ser seu amigo já que só eram permitidos transportar turistas aos aeroportos taxis credenciados.  Paramos próximos a policiais e quando saí do carro o taxista me disse em voz alta:

- Mande um abraço pro Juan, viu! Não se esqueça!

-Si, si, claro! Respondi.

E saí rindo da última cena em Cuba.

No aeroporto casualmente achei o que não havia encontrado durante toda a viagem. A bandeirinha cubana para bordar. Gastei meus últimos pesos e embarquei feliz para a Colômbia com a sensação de missão cumprida e vivida intensamente!




Reflexões pós viagem


Cada vez mais me convenço que devemos fazer as coisas que almejamos assim que temos a oportunidade. Muitas vezes, achamos que poderemos completar nossas aspirações no futuro, mas a vida nos apresenta barreiras que dificultam, inviabilizam ou limitam o número de aspirações realizadas.

O planejamento de minha viagem a Cuba já estava maduro o suficiente. O momento tinha que ser aquele. O país passa e passava por mudanças significativas com resultados imprevisíveis.  Seu maior líder, Fidel Castro, com sua saúde debilitada, parecia ter sua morte iminente. As reformas políticas que seu irmão Raúl Castro vem implantando visam melhorias mas, se não forem implantadas paulatinamente, podem trazer os malefícios do capitalismo selvagem e o país nunca mais seria o mesmo.

Realmente o cubano não tem uma vida fácil. A comida é racionada, as condições de saneamento básico são muito precárias e neste cenário, a maioria dos cubanos parece sufocada pela estagnação do país. 

O Turismo é uma das poucas atividades que captam divisas, porém poucos cubanos se beneficiam dela ou se relacionam com os turistas. 

Um cubano comum não tem acesso a muitos locais frequentados por turistas internacionais. O embargo econômico decretado pelos Estados Unidos é realmente cruel e é o maior motivo do “atraso” econômico do país. 

Durante a viagem descobri e confirmei vários fatores que levaram os Estados Unidos a se sentirem ameaçados e temerem o progresso do país. 

Posso citar o sucesso do desenvolvimento social e o socialismo como modelo concorrente ao capitalismo. Cuba conseguiu reverter através do socialismo uma situação muito grave de violência, analfabetismo e corrupção em poucos anos após a revolução. Como citei anteriormente, praticamente não há analfabetismo no país.

Simbolicamente, o desempenho esportivo da pequena ilha também é uma demonstração de força. Cuba superou diversas vezes os americanos em um dos seus esportes mais populares, o beisebol e no Pan Americano de 1991 (sediado em Cuba), superou a potência do norte. Fato sem precedentes!

Acredito que uma abertura econômica e a maior entrada de bens de consumo poderia abalar o sistema socialista implantado à medida que as pessoas passem a ser mais materialistas. Com a ganância das pessoas, emerge a corrupção, a exploração e o crescimento das desigualdades sociais.

Uma das coisas que mais me deixou perplexo é não ter visto nenhum mendigo nas ruas. E olha que eu caminhei bastante!

Fiquei dez dias em Cuba. Eles não são suficientes para tirar conclusões. Mas também acho que tirar conclusões não é o que deve ser feito. 

Creio que me iludi ao pensar que eu teria a certeza de que após a viagem a Cuba eu tiraria uma conclusão precisa sobre se o socialismo vale ou não à pena. Mas, ainda assim, conhecer o país me fez refletir sobre como vivo e como poderia viver minha vida.

A impressão que tive é a de que é mais fácil Cuba, através de reformas cuidadosas e gradativas encontrar uma alternativa em um modelo viável, entre o socialismo e o capitalismo, do que um país capitalista como o Brasil elevar seu nível de desenvolvimento humano e diminuir o abismo financeiro e social entre ricos e pobres.

Tenho certeza de que Cuba é um país simpático para muitos outros países e, também, de que seus líderes são convictos e buscam o bem estar da população independentemente de adotarem políticas anticapitalistas.

Cuba é parecida com o Brasil em muitos aspectos e alguns fatores, como o clima quente, promovem tantas similaridades. A escravidão de negros africanos é um fato histórico, assim como em nosso país.  As consequências são evidenciadas na dança e na música, na culinária e na religião.

Por essas similaridades, acredito que se eu decidisse morar no país me adaptaria tranquilamente. O único grande problema seria se tivesse dificuldade de comunicar-me com o mundo e tivesse a restrição de sair da ilha caribenha, como a grande maioria tem.

Na parede do meu quarto toda vez que vejo a bandeira cubana um sentimento de carinho e gratidão me envolvem. Apesar de não querer tirar conclusões, tenho a convicção de que o maior ideal do socialismo, a igualdade sócia,l é um objetivo legítimo.

Se o sonho americano não se tornou realidade, para mim, valeu a pena vivenciar Cuba: um sonho caribenho.



 Espero que este sonho se torne realidade ou pelo menos nunca deixe de ser sonhado!
Nelson Rodrigues estava certo: “Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”.

Ou, conforme Che Guevara: “Valle, pero milliones de veces más, la vida de um solo ser humano que todas las propriedades del hombre más rico de la Tierra.”


Algumas Referências:

Guia de Viagem Lonely Planet
Breve História de Cuba – De Colón al Siglo XXI
Breve História de Cuba – De Colón al Siglo XXI

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