Cuba: um sonho caribenho
Introdução
Depois de terminar meu quarto contrato trabalhando em navios de
cruzeiros marítimos e realizar uma viagem para o Perú (ambas as experiências
registradas em relatos de viagem), comecei a colocar em prática algumas ideias
que começaram a surgir no final do contrato no Splendour of The Seas (navio no
qual estava embarcado).
Tinha duas grandes motivações para me “aposentar” da vida a bordo. A
primeira era voltar a estudar. A segunda era a de tentar aproveitar os grandes
eventos que ocorrerão no Brasil nos próximos anos: A Copa do Mundo de futebol
em 2014 e as Olimpíadas em 2016.
Diferentemente de outros momentos da minha vida, em uma decisão, no meu
entender audaz, resolvi primeiramente me matricular em um curso e voltar a
estudar para depois buscar trabalho.
Escolhi a FGV para fazer o curso de MBA em Gestão Empresarial com Ênfase
em Gerenciamento de Projetos. Um investimento alto e consequentemente uma
necessidade de comprometimento com um bom desempenho me deram a sensação que
aquele seria um desafio importante para um novo ciclo de vida.
Posteriormente, por indicação, comecei a trabalhar na Secretaria de
Turismo do Estado de São Paulo atuando como assistente técnico na capital
paulista.
Foi uma passagem breve que me fez entender, na prática, algo muito
simples. Nosso país só prosperará quando os cargos públicos forem gerenciados
por especialistas. É a profissionalização da gestão pública. Onde cada macaco
fica no seu galho. No turismo, por exemplo, pessoas sem preparo não devem
encabeçar projetos com grande dimensão e potencial, pois na grande maioria das
vezes não entendem a dinâmica das relações entre os diversos agentes que
participam deste importante setor, em franca expansão mundial.
Depois desta rápida experiência profissional, vi-me novamente com tempo
livre e comecei a enviar meu currículo para empresas operadoras de viagem de
incentivo para atuar na área operacional.
Acredito que por ter me mantido fiel ao primeiro objetivo, o de estudar,
acabei sendo premiado com uma nova chance de trabalho. Fui contratado para ser
representante comercial dos Programas de Hospitalidade nos Estádios para a Copa
do Mundo (venda de camarotes) atuando numa empresa brasileira e representando
uma empresa suíça, detentora dos direitos comerciais em todo o mundo cedido
pela FIFA. Não poderia ser melhor!
Comecei trabalhando em Alphaville, porém fomos transferidos para um
escritório em São Paulo, onde estou morando.
Passado um ano, por incrível que pareça em outubro de 2012 iniciei
minhas primeiras férias “oficiais” (com carteira assinada e data prevista para
retorno).
E por isso... com a permissão do General romano Pompeu e de Fernando
Pessoa:
Viajar é preciso!
Relatar também é preciso.
O Destino
Para onde será sua próxima viagem de férias?
O que mais lhe atrai ao escolher um destino? Gostaria de viajar só ou
acompanhado?
Você acha que planeja bem sua viagem?
Lê sobre a cultura local, sua culinária, seus atrativos turísticos, sua
história?
Refleti sobre estas questões e optei por ir a Cuba, principalmente por
sua história e pelo que representa mundialmente.
Tentei “aliciar” alguns amigos, porém sem sucesso. Não pelo destino já
que quase todos tinham curiosidade em conhecer o país. Eles não poderiam viajar
por diversos motivos. Tive que me conformar e começar a planejar a viagem e
pesquisar sobre o destino. Juliana, minha namorada, também não pôde viajar.
Meu pai sempre falou sobre Cuba. Eu mesmo li alguns artigos em jornais,
assisti ao ótimo documentário sobre a música cubana, o “Buena Vista Social
Club” e apresentei um trabalho em um curso técnico sobre a cultura do país. Na
época que realizei minha primeira passagem profissional por São Paulo
participei de um evento de promoção de Cuba destinado ao trade de turismo
brasileiro. Lá, experimentei meu primeiro Mojito (bebida tradicional).
Ao planejar meu roteiro percebi que dependendo da
companhia aérea que escolhesse poderia fazer conexões no Perú, no Panamá ou na
Colômbia. E já que poderia parar em um desses locais porque não incluí-lo no
roteiro? Seria um plus na viagem...!
Assim, decidi incluir a Colômbia, optando pela
companhia Avianca.
No capítulo a seguir fiz um “resumão” da história mundial em que Cuba
está envolvida. Apesar de ser uma ilha e estar fisicamente isolada pelo
mar, o idealismo político confronta seus vizinhos, e dentre eles, nada a mais
nada a menos do que os Estados Unidos, o país mais “rico” do mundo.
Mas o que é riqueza?
Um pouco de muita história
Cuba foi um território “descoberto” por Cristovão Colombo em 1492 e
permaneceu sendo território do Reino da Espanha até 1898.
Teve uma história muito parecida com a de outros países latinos já que o
território e as pessoas eram explorados pelos seus colonizadores. Assim como no
Brasil, os indígenas foram escravizados e, posteriormente foram trazidos
africanos com o mesmo intuito de trabalho nas monoculturas de açúcar e de tabaco.
As revoltas pela independência do Reino Espanhol se iniciaram quando
este exigiu monopólio na comercialização do tabaco cubano em razão da
valorização do produto no mercado internacional.
As lutas se estenderam até a intervenção dos Estados Unidos durante a Guerra de Independência Cubana, em 1898, fato considerado o estopim da Guerra
Hispano-Americana. Com a
derrota na guerra, em 10 de dezembro de 1898 a
Espanha teve de reconhecer a independência de Cuba através da assinatura
do Tratado de
Paris. Deste modo, os EUA
passaram a ter grande influência sobre o novo país, que foi governado durante
quatro anos por uma junta militar que defendia os interesses estadunidenses.
Cuba se transformou numa espécie de "ilha dos prazeres" dos
turistas americanos. Nesse cenário, misturavam-se corrupção governamental,
jogatina nos cassinos, uso indiscriminado de drogas e incentivo à prostituição.
Como vários países latinos Cuba tinha seus problemas, porém tais
problemas eram relativamente comuns e não despertavam a atenção do Mundo.
Em 1953, rebeldes liderados por Fidel Castro iniciaram um movimento pela
libertação da ditadura militar de Fulgêncio Batista que culminou com um golpe
de Estado em 1959. Era o terceiro mandato deste ditador que tinha
reconhecimento diplomático e apoio militar dos Estados Unidos.
Logo ao assumir o poder do país Fidel Castro começou a colocar em
prática sua ideologia comunista, como a reforma agrária, obtendo a simpatia e o
apoio da União Soviética que passou a comprar o açúcar produzido na ilha.
Era tempo de Guerra Fria (uma guerra sem conflito bélico) e a disputa
pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e União Soviética, após a segunda
guerra, propunha duas formas diferentes de ver o mundo: o capitalismo, com
ideais de democracia e liberdade, e o socialismo que buscava uma resposta para
o domínio burguês e a solução dos problemas sociais.
Em 1961, logo após Fidel Castro anunciar o caráter socialista da
revolução, os Estados Unidos financiaram um ataque de exilados cubanos
anticastristas que foram treinados em Miami. Foi quando avisado da possiblidade
da tentativa da tomada do poder e da sua execução do seu líder, o exército
cubano derrotou os insurgentes na praia de Girón, na Baía dos Porcos.
Imediatamente o governo Soviético emitiu uma carta condenando
indignadamente o ataque americano. E assim, o governo americano de John F.
Kennedy optou por evitar novos ataques, porém impôs a Cuba um embargo
econômico, comercial e financeiro que dura até os dias de hoje e é condenado
pela ONU.
Iniciaram-se as corridas armamentistas e aeroespaciais. A União
Soviética lançou o satélite aeroespacial Sputinik. O cosmonauta russo Iuri
Gagarin relata: “A Terra é azul”. Era o primeiro homem a viajar pelo espaço. A
americana Nasa, criada em 1958, corre atrás do tempo e o mesmo presidente
Kennedy lança o desafio de “levar homens a Lua e trazê-los a salvo”. Neil
Armstrong em 1969, na Apollo 11 (depois de onze tentativas) teria sido o
primeiro homem a pisar na Lua.
Disse ”Este é um pequeno passo para um homem, mas um grande salto
para a humanidade". Há aqueles que duvidam sobre a veracidade desta viagem
e de que foi de fato um salto para a humanidade.
Em 1962, Cuba permitiu a instalação, em seu território, de mísseis
nucleares soviéticos. Kennedy reagiu duramente à estratégia militar
soviética, considerando-a uma perigosa ameaça à segurança
nacional americana. Ocorreu
então o episódio que ficaria conhecido como crise dos
mísseis cubanos. Numa
verdadeira mobilização de guerra, os Estados Unidos impuseram um poderoso
bloqueio naval à ilha de Cuba, forçando os soviéticos a desistirem dos planos
de instalação dos mísseis no continente americano. A crise dos mísseis é
reconhecida como um dos momentos mais dramáticos da Guerra Fria.
Vinte anos depois do início da Guerra Fria em um grande movimento que
iniciou em maio de 1968 a juventude de vários países ocidentais, inclusive o
Brasil, se revoltou com relação ao processo de manipulação da opinião por meio
dos veículos de comunicação de massa que veneravam os valores do capitalismo, e
repudiavam o socialismo.
Em 1985 a União Soviética aposta nas reformas chamadas Perestroika
(restauração da economia) e Glasnost (transparência).
Em 1987 iniciou-se um acordo entre os países, União Soviética e Estados
Unidos, visando uma política de desarmamento, impulsionando o fim da Guerra
Fria.
Um grande massacre o ocorreu em Pequim na China. No Massacre da Praça da
Paz Celestial centenas de manifestantes, entre eles estudantes que lutavam
contra a opressão e a corrupção do governo do partido comunista foram
mortos.
Entre 1990 e 1991 depois movimentos separatistas no Balcãs (Letônia,
Estônia e Lituânia) e a queda do Partido Comunista e da KGB (serviço secreto),
a União Soviética sucumbiu com o desmantelamento da sua estrutura formal,
decretada por Michail Gorbachev em 17 de dezembro de 1991.
Aos olhos do mundo, a queda do muro de Berlim e a reunificação da
Alemanha já representavam que a ideologia capitalista teria se sobreposto,
definitivamente, à socialista.
O capitalismo nós conhecemos bem. E o socialismo?
“...é um conjunto
de doutrinas que tem por fim a socialização dos meios de produção. Partindo do
pressuposto de que os problemas sociais derivam das desigualdades entre os
indivíduos, o sistema visa à extinção da propriedade privada. O governo
investiria no cidadão desde seu nascimento, no entanto, ficaria como se fosse o “dono”
daquele indivíduo, que seria obrigado a seguir regras rígidas e a
trabalhar para todos na medida de suas possibilidades.”
O comunismo foi uma ideologia criada após a revolução russa e é
erroneamente utilizada como sinônimo de socialismo. No entanto, no comunismo
não haveria a presença do Estado. As decisões seriam tomadas pela democracia
operária.
A etapa do comunismo não foi atingida por nenhum país.
E Cuba?
Parou no tempo?
Cuba é o único país do ocidente que se mantém socialista.
Expectativa média de vida de 77,64 anos.
Em 2006 Cuba foi a única nação no mundo que recebeu a definição da WWF
de desenvolvimento sustentável e com um Índice de Desenvolvimento Humano com indicador de mais de 0,8 em 2007.
Valeu a pena ter mantido sobre rédeas curtas sua população e censura dos
meios de comunicação?
Essa é uma das respostas que queria obter com a viagem...!
Queria sair com a convicção do grande escritor e dramaturgo Nelson
Rodrigues
“Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”.
Planejamento do Roteiro
Quando optei por viajar a Cuba busquei a Sanchat uma operadora de
viagens especializada no Caribe. Fui atendido pela cubana Odalys que me
auxiliou no planejamento do roteiro.
Dados dos vôos:
MJ5MK/OG RIOOU 7UD8OG AG 57513691
16OCT
1.1LOPES/DIOGO
1. AV
248 Z 29OCT GRUBOG HK1 0240 0545
O* E MO 1
OPERATED BY AVIANCA
2. AV 254 Z 29OCT BOGHAV HK1
0939 1405 O* E MO
1
OPERATED BY
AVIANCA
3. AV 255 P 07NOV HAVBOG HK1
1815 2030 O* E WE
2
OPERATED BY
AVIANCA
4. AV 85 P 07NOV BOGGRU
HK1 2140 #0635 O* E
WE 2
OPERATED BY AVIANCA
Day by Day |
28 out (dom) - Saída São Paulo (aéreo) bem cedo para chegar ao mesmo dia
em Havana.
28 out (dom)- Chegada Havana (três pernoites em hotel simples)
07 nov (qua)- Saída Havana
07 nov (qua)- Chegada Bogotá
08 nov (qui)- Saída de Bogotá (terrestre) - 443km (8 horas de
viagem)
08 nov (qui)- Chegada a Medellin
10 nov (dom)- Saída Medellin (terrestre) - 642 km (13 horas de viagem)
10 nov (dom) - Chegada a Cartagena
12 nov (ter) - Saída de Cartagena (aéreo)
12 nov (ter) - Chegada a Bogotá
12 nov (ter) – Saída de Bogotá
12 nov (ter) – Chegada em São Paulo
Relato da Viagem
Dia 1 – Havana, 29 de outubro de 2012 (segunda-feira)
“Os
filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, o que
importa é modificá-lo”. (Karl Marx)
Com destino a Havana e conexão em Bogotá o vôo saiu às 02:40. Meu grande
amigo Felipe em companhia de sua ex-namorada foi me levar ao aeroporto dando
todos os votos de boa viagem.
Assim, viajando pela Avianca comecei uma viagem com muita expectativa.
Cheguei ao aeroporto Eldorado em Bogotá e antecipando em uma hora a
previsão devido ao horário de verão na Colômbia , embarquei para
Cuba. Ao chegar na Ilha uma representante da Cubatur esperava por mim e
outros clientes para fazer o transfer aos hotéis.
No caminho conheci um colombiano que já havia estado muitas vezes em
Cuba. Quando comentei que iria a Colômbia ele me alertou:
-Cuidado com as mulheres na Colômbia! Elas são terríveis.
Ele ficou no hotel Meliá Cohiba que fazia menção ao famoso charuto
produzido exclusivamente para Fidel Castro. Cohiba: palavra Taíno, que
designa tabaco.
Prosseguindo com o transfer notei que a entrada de Havana é bem
arborizada e agradável.
Comecei a notar os primeiro carros antigos e todo aquele ar bucólico
retratado em documentários e fotos.
Cheguei ao hotel Vedado, no bairro Vedado que tem esse nome por ter sido
uma região “proibida” à negros e pobres no período que antecedeu a revolução de
1959.
Minha intenção era a de descansar, porém animado por estar em Cuba
resolvi sair para explorar a região e fazer uma troca de dinheiro. Como o hotel
Vedado não tinha uma boa cotação fui informado que seria melhor no Hotel
Nacional.
Caminhei algumas quadras e conheci este que é um dos hotéis mais
tradicionais da ilha. Tradição, glamour e beleza fazem com que o visitante
queira aproveitar um pouco deste ambiente. E foi o que eu fiz. Na parte de trás
do hotel um belo jardim no terreno elevado via-se o oceano e o Malecón, o
famoso quebra-mar havano.
Resolvi dirigir-me à recepção. O câmbio era o oficial. Igual aos das
casas de câmbio oficiais, popularmente chamadas de “Cadeca”.
Liguei para casa para avisar que estava tudo bem e fui surpreendido com
o valor da chamada.
Quase 7 CUCs por pouco mais de 1 minuto.
Um dólar valia 0,86 CUC e 1 Euro, 1,24 CUC.
Dei um breve alô para avisar que estava tudo bem e comentei que
dificilmente voltaria a ligar durante o tempo que permaneceria em Cuba.
Tentaria mais uma vez no dia 04 de novembro, aniversário da minha mãe.
Liguei também para meu grande amigo Ernesto, morador de Havana, que
disse que não conseguiria me ver neste primeiro dia por motivos de trabalho,
porém que me encontraria no dia seguinte. Ele mora em Miramar um bairro
residencial onde ficam várias embaixadas estrangeiras.
Saí do hotel andando sem destino e com fome. Queria pesquisar as opções
de alimentação da região. Depois de caminhar algumas quadras em uma esquina, um
rapaz com óculos de sol espelhado e jeito malandro perguntou se eu queria taxi.
Respondi que não e ele simpático e sorridente me perguntou algo mais que não me
lembro. Emendei perguntando se conhecia algum restaurante e começamos a
conversar. Ele me mostrou um bar que estava a poucos metros e comentou sobre
um paladar que conhecia. Feliz por estar conversando com um
local e sedento por informações, pedi a Manuel Xaveco que me levasse ao
restaurante particular.
No décimo quinto andar de um dos mais altos prédios da região o paladar
estava localizado no Piso 15. Pedi para ver o cardápio e achei que os preços
eram razoáveis. Tinha de tudo. Desde pollo (frango) à carne
de res (carne de vaca). Esses estabelecimentos particulares foram
permitidos há pouco tempo e possuem alimentos inacessíveis à grande parte da
população. É, juntamente com as casas familiares destinadas à hospedagem, um
dos primeiros negócios abertos pelo governo com o intuito de obter divisas
estrangeiras.
Animado pela conversa convidei Manoel para jantar. Ele pediu carne. Eu,
frango com um molho especial com mel. Aproveitando a oportunidade Manuel pediu
também um Mojito.
Manuel tinha 36 anos, uma filha e não é oficialmente casado. Mora com
Lizandra e não vê a hora de colocar em prática seu plano de deixar o país para
ganhar dinheiro e experiência em outro lugar. Mesmo tendo um plano em mente
parecia estar disposto a ir para qualquer lugar.
Evidentemente Xaveco não apoia o sistema. Quando via uma foto de Fidel e
Raúl Castro comentava que torcia para que os dois sumissem. No entanto, ao
mesmo tempo em que imprimia um tom crítico ao seu discurso, ele deixava, mesmo
que sem perceber, escapar informações que evidenciavam fatores positivos no
dia-a-dia em Cuba.
Antes do jantar ele me pediu licença para buscar um presente. Eu disse
que não tinha necessidade. Mas insistente me pediu para esperar. Fiquei
curtindo a vista do Piso 15 de onde podia ver o Malecón, o hospital no qual
Maradona esteve internado, e o mar.
Xaveco voltou com quatro charutos e uma moeda com a face de Che Guevara,
explicando que era uma moeda rara, já que turistas as levavam como recordação.
Agradeci os presentes e logo depois do jantar fumei meu primeiro charuto
cubano.
Como tinha trocado pouco dinheiro tive que completar a conta pagando em
Euros que deu € 37,00. Valor razoável naquele momento que comparava com os
valores brasileiros, mas que posteriormente se revelaria a refeição mais cara
de toda a viagem.
Xaveco mostrou-se uma pessoa confiável e bem informada. Aceitei o
convite de ir até sua casa para conhecer sua família. Caminhamos bastante e
chegamos a um prédio de dois andares, arruinado pelo tempo, como a maioria das
construções da cidade. Subimos até seu apartamento onde conheci sua filha, sua
sobrinha, sua mãe e Lizandra. As crianças estavam estudando e com minha chegada
disputavam a atenção dos pais enquanto íamos conversando. Eles não têm nenhum
equipamento de som, porém contam com canais estrangeiros transmitidos por uma
“gambiarra” local.
As crianças gostaram da minha Nikon e pediram para que eu as filmasse
dançando ballet. Xaveco comentou que as crianças cursavam teatro e ballet na
escola gratuitamente. Lizandra elogiou a canga com desenhos das fitinhas
famosas de Salvador a qual eu envolvia minha câmera para protegê-la.
Fui muito bem recebido e o convite para tomar um bom café cubano parecia
uma solenidade em homenagem a minha presença.
Manuel Xaveco estaria disponível para me apresentar Havana no dia
seguinte. Fui para o hotel, cansado, e com a certeza de que muita coisa estaria
por vir. Fiquei um pouco no hall principal onde estava ocorrendo uma
apresentação de músicos, quando um grande grupo de jovens colombianos chegou. Pedi
na recepção para que me despertassem às 7:00 para aproveitar o café da manhã no
hotel e esperar Xaveco, meu primeiro guia cubano.
Dia 2 – Havana, 30 de outubro (terça-feira)
“Um
passo atrás, para dois passos à frente”. (Lenin)
Acordei animado no amplo quarto localizado no sexto andar do hotel
Vedado. Tomei uma ducha para despertar e arrumar tudo o que precisava colocar
na minha mochila. Câmera, protetor solar, óculos de sol, mapas, entre outras
coisas.
Desci para o café da manhã. Deparei-me com uma boa variedade de
alimentos. Diversos tipos de pães, bolos, frutas, ou seja, tudo o que um hotel
considerado de três estrelas no Brasil costuma oferecer. Ou até mais! Destaque
para um requeijão natural um pouco azedo. Fiz alguns sanduíches para levar no
passeio.
Às 7:45 já estava na porta do hotel. Um vendedor de jornais me ofereceu
um Granma que comprei para passar o tempo e me inteirar sobre
as notícias da região. Certamente levaria esta lembrança ao meu pai, leitor
assíduo de jornais e professor de jornalismo.
Logo avistei Xaveco, chegando calmamente e pontualmente, falando no
celular como se estivesse passando por ali casualmente. No entanto,
evidentemente caprichou no visual para exercer suas habilidades de guia, me
auxiliando na exploração da cidade. Ele tinha um roteiro em mente: caminhar
pelo bairro Vedado para depois irmos até Havana Vieja.
Energizado e empolgado eu o seguia bombardeando-o com perguntas. Depois
de passarmos pela Univesidad de la Havana e algumas praças e prédios históricos
Xaveco decidiu levar-me a um hospital público, chamava-se Céspedes. Seu intuito
era o de me levar dentro de umas alas para que eu pudesse ver como eram as
condições. No entanto, acabamos olhando por fora e minha impressão é a de que
apesar de não haverem equipamentos de ponta, nesse hospital em específico,
atenção aos cidadãos não falta.
O sistema de saúde de Cuba é estruturado em três níveis de atendimento.
No nível primário está o médico familiar que atende uma determinada região.
Trabalha principalmente com a prevenção de doenças. Além disso, soluciona
ambulatorialmente 95% dos problemas da população. É o grande diferencial do
país. No segundo nível estão os policlínicos e os hospitais. Já, o terceiro
nível foi criado para atender pessoas com maior poder aquisitivo e é referência
mundial por ser altamente especializado com alto desenvolvimento técnico
científico. Recentemente Hugo Chaves foi se tratar em um desses hospitais de
Cuba contra um câncer. O combate ao vitiligo também é famoso em Cuba.
O aspirante a médico em Cuba tem garantida a gratuidade dos seus
estudos. Posteriormente, tem como obrigação trabalhar por 6 anos para o
governo. Isso seria uma garantia para que os médicos formados não deixassem o
país buscando maiores ganhos em outros países. No passado houve um grande êxodo
de profissionais para países como os Estados Unidos.
Continuamos nossa caminhada com destino a Plaza de la Revolución. Esse
foi o palco de diversos discursos após o Triunfo da Revolução (como os cubanos
chamam este grande feito). No centro da praça está uma linda torre. É o
Memorial Jose Martí, o grande mártir da Independência de Cuba em
relação à Espanha. Logo em frente está o Ministério do Interior com um gigante
mural que reproduz o busto de Che Guevara e no prédio ao lado de Camilo
Cienfuegos, dois grandes revolucionários cubanos.
Sem dúvidas, na imensidão desse espaço, exercitei a imaginação para
sentir um pouco todo o impacto dos eventos históricos que ali ocorreram.
Imaginei Fidel Castro em seus longos discursos e a massa da população que
apoiou a queda do regime de Fulgencio Batista.
Atravessamos a praça para ver um treinamento de beiseball, esporte
número 1 de Cuba. Xaveco comentou que é comum olheiros de equipes americanas
aliciarem jogadores cubanos para levá-los à liga americana de forma irregular.
Muitas vezes por meio de luxuosas embarcações.
À medida que Manuel ia me explicando um pouco da história de Cuba íamos
caminhando. Ele me mostrou a sede do jornal Granma, aquele que eu tinha
comprado um exemplar pela manhã. O nome do jornal remete ao iate que foi
utilizado no ano de 1956 por Fidel e outros 81 rebeldes que saíram do México
com destino à costa sul da então província cubana de Oriente para iniciar a
revolução.
Já estava cansado. Tínhamos andado aproximadamente oito quilômetros.
Sugeri pararmos para tomarmos uma cerveja. Paramos em uma lanchonete onde pedi
minha primeira Cristal. Foi um bom alimento para o corpo e uma refrescante
bebida para aliviar o calor da caminhada.
Havia comentado com meu guia que queria comprar uns charutos. Ele me
levou até uma loja onde havia acabado de chegar um ônibus de turistas europeus.
Lá, havia produtos tradicionais locais como as diversas marcas e variações de
rum e de charutos. Fiquei espantado com o valor. Uma caixa de Cohiba
Espléndidos, por exemplo, com 25 puros custava CUC 575. Mais
de 600,00 dólares. Caro!!!
Xaveco me disse que me levaria à casa de um amigo que tinha uma
“correria” nas fábricas de tabaco. Já havia lido sobre o câmbio negro no qual
cubanos trabalhadores de fábricas de charutos extraviam parte de produção para
venderem ilegalmente. O governo parece fazer vista grossa para essa atividade.
O rapaz trouxe uma caixa de Cohiba Espléndidos e uma da marca Monte
Cristo, de um tamanho menor. Simulando um ar de bom entendedor, analisei o
produto e sabendo que haveria a possibilidade de que fossem falsos. Na verdade
percebi que era algo fino e confiando na indicação do meu guia não hesitei em
negociar a caixa do Cohiba. Paguei 60 CUCs, mais ou menos US$ 65 uma pechincha.
Queria levar outra caixa, mas achei melhor esperar. Ainda estava no começo da
viagem e poderia precisar do dinheiro.
Agradeci e fui instruído para esconder a caixa na minha mochila antes de
sair da casa.
Continuamos assim nossa caminhada com sentido ao Malecón e com destino a
Havana Vieja.
Cumplicidade com o mercado negro?
Pode ser. No entanto nunca pagaria US$ 600,00 por 25 charutos.
Xaveco me mostrou uma loja de distribuição de produtos contidos na
caderneta de racionamento adotada a partir de 1962 com a intenção de distribuir
de forma igualitária alimentos e produtos de primeira necessidade a população.
O local estava vazio o que pareceu que a escassez de produtos é um problema
recorrente.
Paramos em um banquinho para comer uns croquetes com cerveja, desta vez
uma Buccanero, que é mais forte.
O mar estava revolto. Reflexo do furacão Sandy que havia passado há uns
10 dias no lado oriental da Ilha matando 11 pessoas e deixando um grande
estrago. O mesmo furacão passou em
Nova Iorque e mais de 100 pessoas morreram. Conversando sobre este
assunto durante a viagem fiquei surpreso em saber que apesar de todas as
dificuldades que Cuba passa, suas agências metereológicas são muito eficientes,
assim como o sistema de defesa civil que faz um ótimo trabalho de evacuação da
população antes da chegada dos fenômenos naturais. Ou seja, com todas as
limitações conseguem salvar mais pessoas de desastres naturais do que nos
Estados Unidos.
A água invadiu a avenida que beira o Malecón e por isso essa ficou
interditada. Íamos caminhando quando passou um “trem turístico” de rodas por nós.
Sugeri ao meu guia pegarmos o mesmo para fazer o percurso confortavelmente.
Saímos correndo atrás do trem para conseguirmos despertar a atenção do
motorista. Depois de uns 200 metros de corrida, conseguimos embarcar.
Entre prédios, carros e buzinas, percebi que estava em uma das áreas
mais densamente povoadas de Havana onde a poluição do ar é evidente e agravada
pelo longo período em que os veículos americanos antigos estão circulando.
Quando passamos pela Casa do Rum, próximo ao Terminal Marítimo Sierra
Maestra pedimos para descer. Dali vê-se a Fortaleza de San Carlos de La Cabaña.
Entramos e logo tomamos uma Guaravana, bebida que mistura cana de açúcar com
rum.
Apreciamos um pouco uma apresentação de música e logo seguimos para
explorar Havana Vieja. Xaveco me levou ao hotel Ambos Mundos onde o famoso
escritor Ernest Hemingway se hospedava por longos períodos. Fomos ao terraço do
hotel onde fumei meu primeiro Cohiba e tomei meu primeiro Daiquiri. Fazia um
sol gostoso e a vista era inspiradora.
Ficamos ali por cerca de uma hora conversando e logo decidimos partir
para o próximo destino: inspirados por Hemingway seguimos sentido La Bodeguita
del Medio. O bar é simples assim como a maneira com que é servida a principal
bebida: o Mojito. Dizia o famoso escritor que este drink foi criado por um
inglês em alto mar.
A sensação de ver o barman preparar um Mojito em Havana, na Bodeguita,
ouvindo a música cantada ao vivo, que menciona o próprio bar e degustar a
bebida encostado a barra do bar é uma experiência que satisfaz a todos os
sentidos.
Por mais esnobe que possa parecer tenho que dizer que depois de
experimentar um Mojito na Bodeguita perdeu um pouco da graça pedi-lo no Brasil.
Conheci um brasileiro que estava de rápida passagem em Cuba e um grupo
de mexicanos que acabaram me pagando um Mojito. Aliás, há de se dizer que os
mexicanos são muito festivos.
Depois que conheci a bebida mexicana Michelada, ao trabalhar em navios,
sempre a peço quando tenho a oportunidade.
Pedi para Xaveco me levar ao Floridita, outro famoso bar. Quando
passamos em uma casa de câmbio para fazer uma nova troca, meu guia encontrou
sua prima Leyanis. Ela se juntou ao nosso passeio e quando cheguei ao Floridita
pedi 3 cervejas Cristal. Uma bica! 4,5 CUCs cada! Quase 4 Euros. Sem dúvidas
foram as três cervejas mais caras que paguei em Cuba.
Logo reparei que aquele grupo de colombianos que estava no meu hotel
estava ali. Era um grupo bem animado de estudantes que fez daquele ambiente de
decoração elegante um lugar festivo e popular. Impressionante ouvir a cantora
não utilizar microfone e fazer sentir com naturalidade sua voz harmonizada com
os instrumentos utilizados pela música cubana como o violoncelo, as congas e as
maracas, uma espécie de chocalho.
Quando o grupo de colombianos deixou o Floridita sugeri que também
saíssemos do local. Afinal, patrocinar 2 cubanos ali exigiria uma verba
considerável pois ao dançarmos estávamos com sede.
Caminhamos um pouco mais ao passarmos pelo Capitólio e pararmos em um
bar ao ar livre com cerveja a preço tabelado. 1 CUC. Acendi a outra metade do
Cohiba que havia estreado no hotel
Ambos Mundos e pedi o celular emprestado para contatar Ernesto.
Foi como uma transmissão de pensamentos. Ele estava me aguardando na
recepção do hotel.
Pedi para que esperasse mais uns trinta minutos. Expliquei aos dois que
precisaria ir ver meu amigo. Xaveco me auxiliou a encontrar um taxi cubano com
a tarifa em peso cubano. Dentro do prazo estava na porta do Vedado.
Que satisfação! Lembro-me do dia em que conheci Ernesto. Depois lhe
contei esta história. Na minha primeira noite trabalhando no escritório de
excursões do no navio MSC Opera uma colega apresentava os funcionários do navio
à medida que eles se aproximavam ao balcão de excursões.
Ao ser apresentado a Ernesto fiquei surpreso por ele ser cubano. Como
comentei anteriormente sempre tive curiosidade pelo país e naquele momento
fiquei feliz ao conhecê-lo e poder trocar ideia sobre os assuntos referentes a
Cuba. Sabia que faria amizade com ele. E assim foi.
Aproveitamos muito as experiências do navio e desenvolvemos uma amizade
que sabíamos que transporia aquela viagem.
E a satisfação de vê-lo foi potencializada pela condição de ser em Cuba.
Nos demos um forte abraço e contrariando os sinais de cansaço do meu corpo
tanto pela longa caminhada como pelo relaxamento de um dia cheio de atividades
e cheio de drinks concordei de ir com ele a casa de um conhecido onde iria buscar
um dinheiro.
Andamos mais uns três quilômetros conversando e curtindo nosso
reencontro. Depois de pegar o dinheiro do aluguel de um plano de internet,
Ernesto me convidou a comer uma pizza. À medida que conversávamos comparei meu
amigo a uma enciclopédia humana de tantas informações que tinha sobre o mundo.
É uma pessoa que adora conversar e além de sua bagagem de estudos que
desenvolveu em Cuba teve a oportunidade de conhecer alguns lugares do mundo.
Ernesto disse que iria a sua agência no dia seguinte e pediu para que eu
ligasse no seu celular para nos encontrarmos. Voltamos caminhando ao hotel de
onde tomou um taxi para sua casa. Eu, exausto fui dormir. Pensei em ir às
chamadas praias do leste no dia seguinte.
Dia 3 – Havana, 31 de outubro (terça-feira)
“Valle,
pero milliones de veces más, la vida de um solo ser humano que todas las
propriedades del hombre más rico de la Tierra.” (Che Guevara)
Dormi bem e acordei cheio de disposição. Tomei café e fiz meu kit lanche
para não ter que me preocupar sobre onde e o que comer.
Resolvi pesquisar valores de voos para Cayo Largo, uma ilha paradisíaca
recomendada por amigos.
O pacote com voo e hotel no sistema all inclusive não era caro. Mesmo
assim resolvi aguardar outras definições para saber qual caminho seguir.
Caminhei com sentido ao Malecón que tinha trânsito de veículos liberado
já que o mar estava mais calmo. Sem pressa fui caminhando sozinho tirando
fotos daquele mundialmente conhecido visual.
Aproximei-me de um trompetista que me chamou e perguntou de onde eu era.
Assim tocou Garota de Ipanema. Fiz um vídeo, conversei um pouco e logo
continuei a caminhada.
Algumas pessoas pescavam, alguns cachorros perseguiam uma cadela no cio
e quase eram atropelados. Mais a frente um casal parecia ter selado a união há
pouco e tirava fotos para registrar o momento.
Como pano de fundo as ondas batiam no paredão fazendo jorrar grandes
volumes de água. Aos poucos fui entrando na cidade e resolvi ligar para Xaveco
e Ernesto. Não obtive sucesso. Decidi visitar o Museu da Revolução onde cercado
pela história do país resolvi comprar o livro “A Breve História de Cuba” e um
cartão postal que acabou levando mais do que um mês para chegar ao Brasil.
Saí do museu e consegui falar com Ernesto. Ele passaria a noite no hotel
onde me hospedara para sairmos na balada.
Caminhei um pouco e passei por um cinema. Olhei o filme que estava em
cartaz: Blancanieves (A Branca de Neve). Antes do filme
haveria a exibição de um documentário chamado El Camarón Encantado,
que retrata a vida e obra do bailarino e coreógrafo cubano, Eduardo Blanco.
Essa é uma grande vantagem no cinema cubano. Geralmente um ingresso da direito
a mais de um filme.
Resolvi comprar o bilhete, não pelo filme, mas sim pela experiência.
Tive a oportunidade de lembrar os cinemas que frequentava na minha infância em
Santos. As enormes salas que tinham uma grande capacidade de expectadores e
tela gigante. Com uma notável diferença: naquela sala em Cuba escutava-se o
barulho de ventiladores.
Confesso que não tive paciência em assistir Blancanieves. Fiquei
agoniado em perceber que era um lindo dia de sol em Havana e eu estava no
escuro assistindo a um conto inglês. Por isso, saí da sala ainda assim
satisfeito pela experiência.
Um pouco cansado vi passar na minha frente um “bicitaxi” e achei que
aquele seria um transporte ideal para o momento. Chamei o rapaz que passou por
minha frente e negociei um valor pela corrida, sem a intenção de explorá-lo.
Balançando pelos solavancos da bicitaxi puxei assunto com o rapaz.
Renato trabalhava há alguns anos naquele ramo do transporte cubano. Era novo e
comentava que diariamente só tinha duas grandes preocupações na vida. Ganhar
dinheiro e comer. Era um ciclo que o incomodava pois parecia não ter fim.
Comentei que no dia anterior fui ao Floridita e ele disse que sabia onde era
porém que nunca tinha ido ao local. Comentou que há lugares nos quais os
cubanos nunca “poderiam” ir por não terem poder aquisitivo compatível.
Na intenção de consolá-lo disse que isso ocorre em todo mundo, o que de
fato é uma realidade.
Após cerca de 15 minutos de pedaladas agradeci Renato que me deixou na
esquina do hotel.
Apertei sua mão lhe desejando sorte na vida.
Voltei para meu espaçoso cômodo do hotel para tirar uma soneca
restauradora.
Cerca de 20:30, conforme o combinado, Ernesto estava lá. A noite estava
fresca. Agradável para sair de camisa de manga curta, porém Ernesto estava
vestido com um agasalho preto. Lembrou-me meus conterrâneos santistas que por
não estarem acostumados com o frio, quando bate qualquer brisinha mais fria
logo se animam para usar as suas roupas para frio.
Ernesto tinha uma recomendação para a noite. Me levaria a um show do
cantor de reggaeton mais badalado de Cuba, na casa noturna da moda. Assim,
tomamos um taxi com destino a La Maison.
A rua estava agitada e caminhamos umas duas quadras até uma esquina para
tomar um taxi cubano. Ernesto estava agitado e então disse a ele.
-Cálmate, Ernesto! Estoy en vacaciones.
Ele riu e percebeu que realmente estava apressado sem necessidade.
Ao chegarmos à balada percebemos que o local estava muito pacato.
Pensamos que o show poderia ter sido cancelado. Fomos para o outro lado do
quarteirão onde havia outra entrada para a casa.
Fomos informados que a programação da noite estava confirmada, porém
ainda era cedo.
Sentamos e pedimos uma cerveja para acompanhar uma conversa sobre vários
assuntos.
Ernesto me explicou um pouco sobre como os cubanos “ganhavam” carros do
governo por méritos e sobre a mudança tão esperada no pacote de reformas de
Raúl Castro na qual é liberada a compra e venda de carros com algumas
restrições.
Ele comentou que no dia seguinte seria transmitido ao vivo pela
televisão um programa de mesa redonda de debate sobre as mudanças da lei de
imigração na qual os cubanos poderão sair do país para fazer turismo.
Acendi um Cohiba e continuamos o papo cabeça até que nos avisaram que a
entrada para o show estava liberada. Ernesto não queria deixar que eu pagasse.
Parece que queria retribuir sua passagem pelo Brasil onde foi meu convidado de
honra na minha casa e na noite santista.
Entramos para o show na La Maison e continuamos a conversar. O tempo
passava e nada de iniciar o show. Ernesto comentava que logo teria que ir
embora, pois teria que trabalhar no dia seguinte. É muito responsável meu
amigo!
A verdade é que já era mais de 02hs e nada do grande cantor. Perguntamos
o que estava ocorrendo e nos informaram que ele nem havia chegado. Assim,
resolvemos ir embora.
Ou seja, pela primeira vez fui a um show e não vi o espetáculo.
Era minha última noite no hotel. Combinamos que eu iria para a casa de
Ernesto por volta do meio dia logo após o check out do hotel.
Meu plano era o de sair de Havana para explorar outras faces de Cuba.
Viajaria no dia seguinte de ônibus para a Trinidad, um vilarejo colonial
tombado pela UNESCO.
Ernesto também viajaria guiando um grupo de franceses para Varadero.
Assim, voltei de taxi para o hotel Vedado.
Dia 04 – Havana/Trinidad, dia 01 de novembro (quinta-feira)
"Os
que não têm coragem, os que não querem se adaptar ao esforço, ao heroísmo da
revolução que vão embora, não os queremos, não precisamos deles" – Fidel
Castro
Acordei, tomei meu banho e café, como em todas as manhãs. Recebi uma
cantada da camareira que disse que ao me ver “ganhou o dia”, e desci para fazer
o meu check out do hotel.
Negociei uma tarifa com o taxista para me levar para Miramar, bairro de
Ernesto. Em Havana, como em outros municípios cubanos as ruas são divididas por
números. Às vezes com letras.
Não foi muito complicado para o taxista, que nem sonhava em ter GPS
encontrar a rua de meu amigo. Perguntei a um rapaz que estava na porta do
edifício de dois andares se conhecia Ernesto e ele assentiu me indicando como
chegar.
Bati na porta e apareceu meu amigo com um conjunto esportivo do Milan.
Ernesto apresentou sua mãe Raquel sobre a qual falava há muito tempo. Fui
recebido com grande carinho por ela. Logo estávamos conversando sobre o sistema
socialista.
Ela comentou sobre as recordações que tinha quando criança quando viu
pessoas sendo maltratadas por soldados pertencentes ao governo de Fulgencio
Batista. Disse que eram tempos ruins onde reinava o analfabetismo e a
corrupção.
Ernesto me mostrou seu equipamento de informática e de som. Eu nunca
tinha visto algo parecido. Inimaginável para a maioria dos cubanos. A casa de
Xaveco, por exemplo, não tinha se quer um radinho de pilhas.
Sabendo que eu necessitava fazer uma troca de dinheiro ele me chamou
para ir fazer compras.
Arrumei minha bagagem para viajar, pois mesmo que ele tenha perguntado
se eu queria ficar uns dias em sua casa eu estava sentindo que aquele era o
momento para explorar, pegar a estrada e descansar em uma viagem de ônibus.
Caminhamos pelo menos uma dezena de quadras para chegar até o mercado. O
bairro é bonito e foi bom sentir um pouco da vida cotidiana dos arredores.
Preocupados com a hora que tínhamos marcado com a companhia de taxi voltamos
logo para sua casa. Despedi-me dele e de sua mãe afirmando que gostaria de
ficar, porém necessitava sair para aquela missão e que logo voltaria.
Como um pai Ernesto me deu uns conselhos e me colocou no taxi. Em menos
de 15 minutos estava no terminal. Comprei a passagem e com algum tempo fui
buscar algo rápido para comer. A saída estava marcada para as 13hs.
Parei num bar elegante e pedi uma porção de azeitonas com uma michelada,
uma cerveja ao estilo mexicano. Em pouco tempo estava confortável na poltrona
do ônibus “puxando um ronco” e trafegando pela Carretera Central de Cuba.
Quando acordei comecei a exercitar o hobby de tirar fotos em movimento.
É um exercício difícil, pois além da velocidade do ônibus há o balanço e a
dificuldade de conseguir uma boa visibilidade pela janela, sem reflexos. Para
conseguir uma boa foto é necessário tirar várias.
Depois de uma breve parada para lanche voltei ao ônibus e após sua
partida sentei-me no início do corredor entre o motorista e o seu substituto
com o intuito de tirar fotos de um panorama diferente. Comecei a puxar conversa
e logo estávamos falando sobre os assuntos que envolviam o país. Ambos
concordavam que o país necessitava passar por uma reformulação política
independentemente dos avanços que conquistaram após o triunfo da revolução.
Quando disse que era brasileiro falavam que gostavam de dirigir os ônibus da
Mercedes Benz fabricados no Brasil, que eram bem melhores do que
aquele Isuzu, chinês.
O dia ia caindo quando nos aproximávamos do destino. Atravessamos
algumas províncias como Matanzas, Cienfuegos onde muitos turistas desceram,
para chegar ao fim da tarde em Sancto
Spíritus onde se localiza Trinidad.
Dezenas de pessoas aguardavam a chegada do nosso ônibus para oferecer
meios de hospedagem e outros serviços turísticos. Tentei passar rapidamente
pelas pessoas, porém tinha que tentar seguir as instruções que tinha em mãos e
não conseguia nem pensar com tanto assédio. Entrei em um restaurante e
perguntei como chegar a Casa Colonial, indicada por minha agente de viagem
cubana e que trabalha no Brasil, a Odalys .
O garçon a conhecia e disse que estava na mesma rua, algumas casas
adiante. Logo que entrei fui recebido pela dona. Yirina mostrou-me meu cômodo e
me passou algumas instruções. Negociei um desconto para ficar por dois dias e
ela sem demonstrar resistência concordou com a proposta.
Como o nome diz a pousada é construída em estilo colonial assim como a
maioria das edificações da cidade.
O quarto era amplo e com uma linda cama de casal feita em metal dourado.
As paredes eram amarelas com desenhos e a porta era larga com uma grade na
parte de fora. Foi sem dúvidas o quarto mais aconchegante da viagem. Senti-me
como um príncipe que havia chegado de uma viagem.
Dei uma dormida para repor as energias e ao acordar lembrei-me de tentar
assistir na televisão a mesa redonda sobre as mudanças nas leis de imigração
cubana. Pedi para um dos filhos de Yirina ligar a televisão e senti-me um
rapaz politizado ao ver tal debate. Fiquei imaginando se haveria de fato uma
grande mudança em benefício ao país ou, se as mudanças poderiam trazer
transtornos no futuro. O fato é que muitas pessoas estavam esperançosas com as
mudanças.
Resolvi então dar uma volta para conhecer o local. Ao sair da casa
escutei um grupo musical com tambores. Resolvi descobrir de onde vinha aquele
batuque. Vinha de um edifício antigo que estava aberto. Era uma espécie de bar
com uma área central descoberta onde músicos tocavam em ritmo africano e
entoavam canções em outro idioma. Ao sentar senti obrigação em pedir algo para
beber. E por que não um Mojito?
Ah! Ao sair da pousada combinei que voltaria em cerca de meia hora para
provar uma lagosta, o prato da noite da pousada. Por isso, ao terminar a bebida
voltei para a pousada para degustar um prato típico local a um preço irrisório.
Quanto custaria em média uma lagosta no Brasil? Em
Trinidad paguei cerca de sete Euros.
O prato acompanhava arroz congris (típico da cozinha cubana) que é uma
mistura com carne de porco e feijão preto, bananas fritas e uma salada com
pepino, abacate e quiabo. Um colírio para os olhos!
Comi muito! Por isso resolvi dar uma caminhada para fazer digestão. Já
era noite e as ruas estavam desertas. À medida que ia passando pelas casas, com
o silêncio das ruas conseguia perceber que muitas pessoas assistiam à novela. E
para a minha surpresa, ao observar melhor, percebi que a novela era brasileira.
Sabia que as novelas brasileiras são famosas, porém foi a primeira fez
que vi uma transmissão fora do país. Parecia que a cidade tinha parado para
acompanhar mais um capítulo.
A lua estava cheia e o céu estrelado pela pouca luminosidade que era
emanada pela cidade.
Talvez se não estivesse em Cuba teria um pouco de receio por estar
caminhando pelas ruas de pedra no breu de Trinidad. De vez em quando pessoas
passavam montadas em cavalos.
Ao voltar para a pousada fui abordado por uma moça que me ofereceu um
passeio a cavalo no dia seguinte. Gostei da ideia e fiquei de passar no local
indicado por ela. Ainda com a pança cheia fui dormir para aproveitar o dia
seguinte.
Dia 05 – Trinidad, dia 02 de novembro de 2012 (sexta-feira)
“Prefiro
morrer de pé que viver sempre ajoelhado”. Emiliano Zapata, revolucionário
mexicano.
Acordei com vontade de fazer algum passeio diferente para explorar a
natureza ao redor da pequena cidade. Decidi tomar café da manhã fora da pousada
e verificar como era o passeio a cavalo.
Estava cedo e quase todos os estabelecimentos comercias estavam
fechados. Resolvi perguntar aos citadinos onde encontraria um café. Um moço me
deu as coordenadas e decidiu me acompanhar até o local. Perguntei ao atendente
quanto custava o café e o preço em CUC era caro. Pedi então àquele que me levou
até o local se ele conhecia algum café mais simples que aceitasse pesos
cubanos. Ele disse que sim e me levou alguns quarteirões mais acima.
Começamos a conversar e perguntei a Andrés se ele conhecia algum passeio
de charrete. Desisti de andar a cavalo pelas experiências anteriores nas quais
fiquei dias com o corpo dolorido pela falta de costume.
Tomando o café que o ofereci, naquele ambiente simples, no qual não
havia acompanhamento como um pão com manteiga para ser servido, ele comentou
que conhecia uma pessoa que tinha uma calesa (charrete, em
espanhol).
Andres trabalhava com funilaria de carros. Estava de folga e disse que
poderia me acompanhar no passeio. Ou seja, depois de Manuel Xaveco e Ernesto
encontrei meu terceiro guia em Cuba.
Caminhamos algumas quadras e encontramos um adolescente em uma charrete.
Andres conversou com ele e eu fiquei à distância observando. O menino disse que
voltaria. Enquanto isso, como estávamos na parte alta da cidade Andres apontava
o Valle de los Ingenios mostrando qual seria nosso percurso. Fiquei animado com
a beleza do local e da aventura em charrete que estaria por vir.
Um adulto voltou com a charrete e o menino desculpando-se com Andres ao
dizer que precisaria do meio de transporte para fazer outros trabalhos.
Andres disse que se andássemos um pouco poderíamos tentar encontrar o
veículo com um amigo que morava numa chácara mais abaixo da estrada de terra.
Tive um bom tempo para exercitar meus questionamentos sobre Cuba e a
vida rural. Perguntei sobre a falta de carne de vaca, sobre a história da
cidade e conheci um pouco sobre a singela vida de Andres. Quando ele disse que
gostava de Roberto Carlos lembrei-me que tinha algumas músicas do “Rei” no meu
Ipod. Passei a ele o aparelho e ao colocar ao ouvido me senti muito satisfeito
em ver o largo sorriso que saiu de seu rosto. Ele estava maravilhado com a
pureza do som nos seus ouvidos. Resolvi parar de fazer perguntas e deixá-lo
aproveitar aquele momento.
Chegamos à chácara e seu amigo tinha saído. Eu disse que não haveria
problemas. Poderíamos continuar a caminhada apesar o forte sol que fazia. Foi
quando ouvimos o apito de um trem. Andres comentou que era o trem turístico que
levava a torre de Manaca-Iznaga um atrativo da região. Posicionei-me em um
local propício e aguardei a passagem do trem a vapor para tirar fotos.
Depois de ter caminhado uns oito quilômetros e ter visto dezenas de
turistas passando a cavalo por mim comecei a questionar se tinha tomado a
decisão correta. Foi quando encontramos um local bem agradável onde vendiam
água e refeições. Pedi uma água e deitei-me numa rede para descansar e
conversar com o pessoal. Andres tratou de verificar a possibilidade de
encontrar uma charrete para prosseguirmos com o caminho.
Eu, sem pressa e preocupações desfrutava daquele ambiente natural com
frutas, flores e canto de passarinhos. Andres voltou com uma ótima notícia.
Tinha encontrado uma calesa.
Despedi-me das simpáticas atendentes e embarquei na aventura. O condutor
chamava-se Romário. Sim, o nome era em homenagem ao jogador brasileiro. Romário
comentou que seu irmão se chamava Ronaldo, também em homenagem ao outro ídolo
brasileiro. Chicoteando a bunda do cavalo arrancamos em busca da cachoeira que
é o destino da maioria dos passeios a cavalo.
Havia chovido muito durante aquela semana e, por isso, o caminho estava
repleto de lama e de superfícies irregulares. Em muitos momentos Andres se
segurava em mim com medo de cair.
Achávamos engraçado. Em algumas vezes tínhamos que descer da charrete
para tirar o peso e facilitar a vida do cavalo. Mesmo com todas as armadilhas
do caminho era possível contemplar a exuberante beleza do vale.
Quando nos aproximamos da entrada da cachoeira Andres disse que tentaria
fazer com que eu não pagasse a entrada que é cobrada aos turistas. Romário
ficou nos aguardando enquanto seguimos a pé para a cachoeira.
Depois de uma breve caminhada já víamos os diversos cavalos que
transportavam os turistas.
Caminhando mais um pouco já podíamos ver a queda d´água e a piscina
natural de cor verde turva. Um violeiro tocava e cantava algumas canções em
busca de trocados.
Dei um bom mergulho e quando conversava com alguns europeus fui
convidado a conhecer o coco loco. Prestei atenção no preparo para
poder fazê-lo no Brasil. Em um cocô gelado, com a quantidade de água próximo à
metade adiciona-se mel, limão e rum. Uma delícia!
De fato tentei reproduzir a bebida, porém acredito que errei nas
proporções das quantidades dos ingredientes. Acho que se fosse vendida no
Brasil seria um sucesso. Eu pelo menos nunca vi.
Ficamos quase uma hora na cachoeira e resolvemos voltar. Reembarcamos na
charrete e percorremos embaixo de sol mais alguns quilômetros de estrada de
terra acidentada. No caminho apareceram várias vespas o que deixou Andres com
medo. Romário dizia para não falarmos alto para não atraí-las.
Depois de alguns quilômetros de sacolejo Romário nos deixou no início da
subida da estrada para a cidade. Perguntei a Andres quanto deveria pagar a
Romário e entreguei 10 CUCs ao rapaz de 18 anos.
Sem pressa subimos pelo mesmo caminho para chegar à cidade por volta das
13hs. Estava exausto e com uma dor esquisita no estômago. Puxei 10 CUCs do
bolso e dei a Andres.
Combinamos um local para nos encontrarmos no dia seguinte para que ele
me levasse a Torre de Manaca-Iznaga. Pelo jeito ele resolveu que não
trabalharia o dia seguinte para estar comigo.
Ao voltar para a pousada estava com sede e no caminho, ao ouvir a música
de uma banda e ver um grupo de turistas em um restaurante resolvi entrar.
Comprei uma água e fiquei observando um senhor que fazia uma demonstração de
confecção de charutos. Ele enrolava as folhas de tabaco para fazer um pequeno
charuto. Surpreendentemente ao terminar o cigarro ele ofereceu a mim e logo
acendeu o isqueiro.
Queria descansar, e por isso voltei para a pousada para dormir. Tive um
desarranjo intestinal provavelmente ocasionado pela lagosta da noite passada.
Dormi profundamente e acordei melhor. Resolvi sair para dar uma
caminhada e fazer um câmbio.
Caminhei algumas quadras quando por coincidência avistei Andres.
Posicionei-me de maneira que pudesse dar-lhe um susto. Quando toquei nele e ele
se virou, exclamou meu nome feliz da vida.
- Dioooogooo!!! Olha o que eu comprei com o dinheiro que você me deu!
Mostrou-me algumas sacolas com legumes que levaria para a casa. Exalava
um odor de bebida
alcóolica e que provavelmente era rum.
Andres, falando um pouco enrolado disse que tinha um plano pra gente.
- Diogo. Meus filhos moram em Taguasco. Numa casa grannnnde! Eu não
queria te contar, mas minha mulher se separou de mim e mora na França com um
francês. Os filhos ficaram em
Taguasco que fica perto daqui. Domingo é aniversário deles. Eles são
gêmeos. E lá tem carnaval como no Brasil.
E começava a dançar imitando os foliões.
-Quero que você venha comigo!!! Você vai pagar tudo em moeda local.
Fiquei meio reticente. Aceitaria o convite de Andres? Quais seriam os
riscos? Parecia que ele precisava meu apoio financeiro para poder ir.
Vi que algumas crianças jogavam ping pong e pedi para brincar com eles.
Desviando um pouco a atenção do pedido de Andres podia pensar um pouco sobre
qual seria minha resposta. Enquanto jogava Andres via a partida e mostrava que
torcia por mim. Era uma situação engraçada. Joguei algumas partidas e lembrei
os velhos tempos de escola quando era um grande jogador. Apertei a mão dos
garotos agradecendo as partidas e comecei a andar com Andres que voltava a
tentar me convencer da viagem falando mais sobre o lugar. Dizia que um de seus
filhos mandava bem na informática e que eu teria acesso à internet, que o
carnaval era imperdível e que seu outro filho era boxeador.
Entrei no melhor hotel da cidade, o Iberostar Grand Hotel, para
fazer o câmbio. Quando voltamos a caminhar Andres encontrou dois sobrinhos que
passaram a caminhar conosco. Foi quando avistei alguns adolescentes jogando
futebol. Não poderia deixar de ter essa experiência. Era um “gol caixote”
improvisado com duas pedras em um terreno de concreto levemente
inclinado.
Todos estavam calçados, porém eu tinha saído de chinelo e por isso
resolvi jogar mesmo descalço.
Foi difícil acompanhar o ritmo da galera. Ganhamos um jogo e perdemos o
outro. Senti que estava fora de forma. Fazia tempo que não corria e os charutos
fumados alguns dias antes não ajudaram em nada.
Mais uma vez agradeci a receptividade dos cubanos e segui o caminho de
volta com Andres e seus sobrinhos.
Contente com o final de tarde esportivo disse a Andres que estivesse em
frente à minha pousada no dia seguinte às 8hs. Ele ficou muito feliz de eu ter
aceitado seu convite.
Voltei para a pousada, descansei mais um pouco e ao anoitecer dei uma
saída para ver o movimento. Resolvi seguir um pessoal e a música que era ouvida
à distância. Cheguei a uma praça onde havia uma apresentação a céu aberto. Era
a Casa de la Música. Ainda abatido pela lagosta evitei beber
cerveja. Pedi um daiquiri e sentei junto com diversos turistas em uma escadaria
para assistir aos artistas que se apresentavam em ritmos que iam da rumba ao son.
O ambiente era bem diferente. Casas antigas, luzes quentes e muita
música tradicional. Músicos de altíssima qualidade! E de graça!
Resolvi voltar para a pousada cedo para ajeitar meus pertences já que
deixaria Trinidad na manhã seguinte.
Dia 6 –Trinidad / Taguasco, dia 03 de novembro (sábado).
Ao acordar pedi café da manhã na pousada e enquanto era preparado fui
até a rua para ver se Andres estava me aguardando. Ele estava na esquina
conversando e quando me viu acenou. Pedi para que esperasse um pouco.
Ao tomar o café, conversava com a dona da pousada e comentei que iria
para Taguasco. Ela me olhou com cara de surpresa e disse que lá não teria muito
o que fazer. Mostrou-se um pouco preocupada perguntando-me com quem iria.
Expliquei a ela que Andres, morador de Trinidad seria meu guia. Ela disse que
eu era adulto e por isso sabia o que fazia.
Ainda estava com dor de barriga e tinha que ser criterioso na hora de
comer. Peguei minha mochila e me despedi de Yirina e seus filhos. Cumprimentei
Andres e começamos a caminhar. Eu levava em mãos minha câmera profissional.
Começamos a caminhar rumo à saída da cidade. De repente alguma quadras
adiante lembrei-me da pequena câmera que levava na viagem. Resolvi tentar
localizá-la na mochila, mas não me lembrei de tê-la guardado. Como não a
encontrei, disse a Andres que devia ter esquecido no quarto da pousada. Ele fez
sinal a um cocheiro e voltamos para a pousada de charrete.
Por sorte já estavam arrumando o quarto e tinham encontrado. Fiquei
aliviado e voltei a embarcar na charrete com a qual fomos até um terminal de
ônibus. Perto dali Andres pegaria uma muda de roupas com seus familiares.
No entanto ele não encontrou quem procurava. Disse que não teria
problemas e que iríamos mesmo assim. Pediu para que eu aguardasse para que ele
tentasse arrumar uma carona. Depois de uns 15 minutos ele voltou dizendo
que seria melhor pegarmos outra charrete para a saída da cidade onde seria mais
fácil.
Contei 13 pessoas em cima da charrete. Era uma situação engraçada. Logo
chegamos a um trevo na saída da cidade. Andamos e chegamos ao que parecia ser
um ponto de ônibus. Andres me disse que esperaríamos a guagua.
Brincando com uma criança fiquei aguardando.
Em pouco tempo o veículo chegou. Era um caminhão azul com uma carreta
adaptada. Tivemos que ser rápidos para podermos entrar.
O caminhão tinha teto e aberturas laterais. Parecia um veículo de
transporte de animais. Como os assentos estavam cheios tivemos que viajar em
pé. Mesmo assim eu estava satisfeito. Lembro-me que pensei que ter aceitado o
convite de Andres de ir a Taguasco já valia pela experiência de hacer
la botella, ou seja pegar uma carona, na maneira cubana. O vento batendo no
rosto e a
bela paisagem eram dignas experiências de uma autêntica viagem a Cuba.
Descemos na estrada e Andres me apontou o caminho para chegar a Torre de
Manaca-Iznaga.
Disse que ficaria a margem da rodovia para agilizar um novo transporte
para Taguasco. O sol era forte e vagarosamente comecei a caminhar. Cruzei a
linha férrea e passei pelas barracas de artesanato sendo constantemente
assediado por vendedores principalmente de tecidos decorativos.
Paguei a entrada para conhecer a vista da torre amarela que tinha
aproximadamente oito andares. Do alto via-se o vale onde no passado os donos do
engenho controlavam os vastos campos de plantação de cana. Quando desci não
resisti à promoção de uma vendedora. Resolvi comprar um pano de mesa para levar
para casa. Era uma técnica diferenciada de cortar o tecido com uma tesoura
criando harmoniosos desenhos.
Parei também em outra construção antiga antes de voltar para a estrada.
Fiquei com vontade de comprar uma coleção dos cinco mais famosos cantores de Cuba,
eternizados no documentário Buena Vista Social Club (Compay Segundo, Ibrahim
Ferrer, Omara Portuondo, Raúl Gonzales e Uchoa), mas achei melhor poupar o
dinheiro. Na volta tive a sorte de ver chegando aquele trem turístico a vapor
que observei no dia anterior. Tirei algumas fotos da composição que fazia um
grande ruído pela pressão do vapor.
Tomei um refresco e encontrei com Andres que viu um caminhão chegando à
entrada da estrada.
Ele me chamou e foi fazer sinal para o motorista que parou e concordou
em nos levar até Sancto
Spíritus.
Sentei-me na parte de trás da cabine do caminhão. Era a primeira vez que
andava em um caminhão daquele porte. Era um Peugeot que transportava areia para
construção. Muito simpático o motorista sempre sorridente conversava conosco
sobre vários assuntos. Sem muita cerimônia tirei o tênis e deitei-me no que
devia ser a cama do motorista. Não acreditava que as coisas estavam fluindo com
tanta facilidade. Era um tipo de aventura que nunca vivenciei no Brasil.
Quase uma hora depois chegamos a um local onde o motorista depositou a
areia. Ele nos levou até o centro de Santo Spíritus de onde pegaríamos um taxi
local para Taguasco. Dei 10 CUCs para o motorista que se despediu mais uma vez
sorrindo.
Andres mais uma vez me orientou para não falar nada para que não
percebessem que era estrangeiro. Também perguntou se eu tinha uma muda de roupa
para lhe emprestar. Ele queria estar mais bem apresentado para ver seus filhos.
Emprestei-lhe uma bermuda preta e uma camisa azul com o escudo da seleção
brasileira de futebol. Ele foi até um banheiro para se trocar. E em pouco tempo
já estávamos fazendo a última parte da viagem no taxi compartilhado com outras
pessoas.
Chegamos a Taguasco por volta do meio dia. Caminhamos algumas quadras
até chegar a casa onde moravam os filhos de Andres. André e Andy. Fui
apresentado para a avó dos meninos e outros membros da família como Niño.
Fui muito bem recebido! Eles me reservaram uma cama e um espaço no
armário. E os meninos se mostraram interessados em conhecer o novo amigo
brasileiro. Perguntaram se eu tinha música para lhes passar orgulhosos por
saberem usar o computador. Passei umas músicas que tinha em pendrive. Sabia que
seria solicitado.
Quando Andres falou que André lutava boxe os meninos pegaram as luvas e
começaram a fazer uma pequena demonstração para mim. Ficamos mais um pouco em
casa e logo saímos para ver o
início do carnaval.
Chegamos à rua principal onde já havia muitas pessoas. Eram pessoas
simples assim como a estrutura da festa. Tinha música ao vivo e uns carros que
vendiam cerveja em gigantescos barris.
Como eu ainda estava com o estômago debilitado, pedi para que me
mostrassem um restaurante onde poderia comer um filé de frango com arroz. Todos
me acompanharam. Os meninos e seus amigos, Andres e Niño.
Andres chamou os meninos para irmos a um parque de diversões. Fiquei
tirando fotos das crianças que foram em um tipo de “barco viking” e outros
brinquedos. Quando andávamos Andres me apresentava a todos os seus conhecidos.
Nunca apertei a mão de tantas pessoas. Parecia um candidato em tempos de
eleições.
À tarde fomos para um “barracão” onde havia apresentações musicais.
Música antiga em um lugar cheio de gente simples e sincera. Enquanto eu
observava o pessoal se divertindo monitorava Andres e Niño que secavam a
garrafa de rum.
Voltamos para casa para os meninos se trocarem para desfilarem no
carnaval da cidade. Fui informado que a casa estava com problemas hidráulicos e
por isso não chegava água nos canos.
Por isso, Marta pediu para Niño buscar água fora da casa em uma bomba
manual. Parte da água ela esquentou para eu tomar um banho.
Fazia tempo que eu não tomava “banho de caneca”. E as condições do
banheiro não eram boas.
De chinelo tomei um banho rápido para podermos acompanhar e eu registrar
com minha câmera, conforme pediu Andres, o desfile dos seus filhos.
Durante a concentração do bloco Los Cubanitos fui apresentado à gurizada
e fiquei conversando com eles. Sabendo que eu era brasileiro perguntavam sobre
o carnaval brasileiro. Contei que tinha ido ao carnaval do Rio de Janeiro
naquele ano e que era lindo. A bateria começou a esquentar e saí para começar a
registrar o evento.
Devagarinho os cubaninhos seguiam a bateria e arriscavam os primeiros
passos carnavalescos. A levada da bateria era diferente da nossa, porém também
muito animada. Chegamos à rua principal e a escola de samba foi calorosamente
recebida pelo público. Perdi-me de Andres e fiquei aguardando o término para me
juntar aos meninos.
Registrei também a dispersão dos pequenos e o lanchinho que fizeram para
repor as energias.
Estava cansado. Encontrei Andres e disse que queria voltar para casa e
dormir.
Chegando em casa assistimos um pouco de televisão antes de descansarmos.
Dia 7 – Taguasco / Varadero, dia 04 de novembro (domingo)
“Deixe-me
dizer, com o risco de parecer ridículo, que o grande revolucionário é feito de
sentimentos de amor”. Che Guevara
Quando acordei bem cedo e abri a porta do quarto me surpreendi ao ver
Niño estirado no chão da sala dormindo de barriga pra cima. Ele acordou e eu
perguntei por que estava ali. Ele disse que estava acostumado. Mas na verdade
imaginei que ele não queria me incomodar.
Andres também acordou. Tomamos um café puro e Ninõ me chamou para ver um
abatedouro de porcos. Era bem cedo e no quintal de uma casa, sem condições de
higiene, vi dois homens cortarem as partes de um porco numa cena que não estou
acostumado a ver.
Voltamos a casa e logo saímos novamente. Disse a Andres que precisava
fazer duas coisas. Ligar para casa para cumprimentar minha mãe por seu
aniversário e trocar alguns dólares. Não consegui completar a ligação e, como
era domingo não havia nenhuma cadeca aberta para trocar o
dinheiro.
Encontramos Ariel, um amigo deles que estava virado da noite de carnaval
que nos indicou uma pessoa que poderia trocar o dinheiro. Fomos a casa dessa
pessoa e quando fui apresentado como brasileiro, mesmo não tendo necessidade de
trocar o dinheiro ele o fez querendo me ajudar. Ele me convidou a entrar em sua
casa me mostrando orgulhoso seu equipamento de som trazido à pouco tempo dos
Estados Unidos. Conversamos um pouco e logo nos despedimos.
Os rapazes resolveram me levar para explorar os arredores da cidadezinha
de Taguasco.
Chamamos um cocheiro e paramos em uma lanchonete para complementar nosso
café da manhã.
Comi um sanduíche com presunto.
Voltamos para a charrete e seguimos para a zona rural. Chegamos a casa
de um familiar de Niño e conversamos um pouco antes de voltar a cidade.
Na rua principal os dois bebiam a cerveja vendida nos grandes barris e
eu resolvi me juntar às crianças no segundo dia de folia de carnaval. Enquanto
esperávamos a continuidade das danças um homem com um microfone na praça chamou
as crianças para uma gincana. Um dos monitores vestia a camisa da seleção
brasileira e começou a organizar jogos entre duas equipes.
Enquanto ocorria a disputa entre as crianças com cenas muito engraçadas
o narrador passava lindas mensagens. Dizia que por mais que perdessem o que
importava era não desistir. Que tinham que manter a concentração no que estavam
fazendo. Eram lindas frases educativas.
Fui tomado por um sentimento de emoção e, se por alguns momentos tive
dúvidas de se devia ter ido para Taguasco, ver as crianças e a importância que
os pais e os monitores davam a elas me fez ter a convicção de que tinha que
estar ali. Era uma gincana simples como o lugar, porém as crianças divertiam-se
como há muito tempo eu não via. Tive a certeza que minha passagem por
Taguasco não tinha sido em vão.
Comecei a pensar sobre como poderia aproveitar meus últimos dias em
Cuba. Por duas vezes tive a oportunidade de ir à praia, porém optei por não ir.
Desta vez achei que essa era uma experiência que não poderia deixar de
realizar. Afinal estava no Caribe.
Era o dia do aniversário dos meninos. Por isso dei um dinheiro para que
Andres pudesse comprar algo para o filho. Expliquei para Andres que decidira ir
para Varadero. Um pouco borracho ele tentava me convencer de
que não era uma boa ideia. Dizia que lá tudo era muito caro e que iam me cobrar
por “pisar” na areia.
Com bastante paciência expliquei que não poderia sair de Cuba ser
conhecer uma praia. Ele me ajudou a ver qual o horário de saída do ônibus para
Sancto Spíritus. Eu voltei para a casa para aprontar minha mochila. Ele já
passaria lá. Passei em um mercado onde comprei leite em pó, pão e outros
mantimentos para a família. Entreguei tudo para Marta. Próximo ao horário de que
deveria sair para a rodoviária Andres não havia chegado.
Despedi-me do pessoal e as crianças me levaram ao ponto de encontro.
Andres não estava lá.
Passada quase meia hora, nem o ônibus nem Andres chegou. Resolvi
procura-lo. Estava bem agitado. Andei pra cima e pra baixo e com muito custo
encontrei-o completamente bêbado com Niño. Pedi explicações e também para que
me devolvesse minha bermuda, uma das poucas que tinha. Eu tinha levado um
shorts de Niño e entreguei a ele para que trocasse.
O ônibus estava atrasado e por isso voltamos à rua principal onde Niño,
que parecia ser muito mais resistente ao álcool, me mostrou um local onde eu
poderia pedir uma carona. Andres insistia que ia conseguir outra maneira de
transporte. Ele estava incomunicável, mas queria me ajudar.
Fiquei alguns minutos e não tive sucesso. Niño atravessou a rua e
perguntou se eu tinha uma nota de dinheiro. Mostrou-me como eu deveria enrolar
a nota entre os dedos para facilitar o pedido. E foi assim que o primeiro
veículo que chegou, um utilitário branco, parou para me levar.
Era um casal com uma filha. Eu disse que meu destino final era Varadero.
O homem disse que me deixaria próximo à Matanzas e que de lá ficaria tudo mais fácil.
Entrei na caçamba do carro e acenei para Niño e as pessoas que me
assistiam no início de mais uma trip. Lamentei deixar Taguasco sem sair numa
boa com Andres. Mas, a aventura tinha que seguir.
Estávamos muito próximo à Carretera Central e estava empolgado com a
nova experiência de pegar uma carona, sozinho e também com a incerteza de se
seria ou não fácil chegar a Varadero e arrumar um bom lugar para ficar.
Coloquei meu Ipod para funcionar, ajeitei minhas coisas de modo que a mochila
fosse meu travesseiro e deitei-me confortavelmente de costas para a frente do
carro. Sentia-me em um filme e tinha a certeza de que aquele momento nunca mais
seria esquecido. Nunca me senti tão confortável em uma caçamba de um carro.
A estrada não é tão bem cuidada, mas também não estava em más condições.
É larga e tem recorrentes desvios bem peculiares. Ao longo do percurso, assim
como em algumas estradas do Brasil comerciantes vendem frutas.
Paramos em um posto para abastecer e me surgiu uma ideia. Sabia que a
família estava indo para Havana. Estudando o mapa percebi que eles poderiam ir
para lá passando por Varadero. O desvio seria de uns 80 km. Ofereci um
determinado valor para ver se ele aceitava. Ele disse que não.
Tudo bem! Continuamos o trajeto de quase três horas enquanto eu admirava
a natureza e os veículos que passavam por nós. De repente o carro parou. O
motorista saiu e disse que poderia fazer o desvio se eu pagasse 70 CUC.
Achei muito caro. Era por volta das 15hs e o dia estava agradável. O sol
se poria lá pelas 20hs.
Agradeci e disse que ficaria no local combinado.
Passadas quase 3 horas o carro parou ao lado de uma pick up que estava
no acostamento. A pessoa que me deu carona pediu algumas instruções para um
senhor do outro carro. Eu desci e ouvi as informações de como eu chegaria até
Matanzas.
Agradeci aos dois e comecei a caminhar para onde teria um taxi
compartilhado que me levaria a uma pequena cidade para de lá pegar um ônibus
para Matanzas e Varadero. Logo um homem veio falar comigo para oferecer-me
ajuda. Disse para eu ir caminhando até encontrar o ponto de taxi.
Fiz algumas perguntas a ele e logo após uns 500 metros aquele mesmo
senhor da caminhonete parou ao nosso lado oferecendo carona. Além de aceitar
levei o cara que estava trocando ideia comigo.
Apresentamo-nos e o senhor Lionel disse que teria que ir até um vilarejo
encontrar uma pessoa para deixar uns pneus. Ele sabia o nome da pessoa e sua
função, porém não sabia o seu endereço.
Paramos para pedir informação a uma pessoa na rua. Lionel perguntou.
-O senhor conhece Alberto, gerente da policlínica?
Paramos mas adiante, perguntamos novamente e uma mulher disse que já
tinha ouvido falar, mas não sabia onde era a casa dele. Outra disse que ele
morava umas ruas mais acima.
A verdade é que a situação era engraçada e, para mim, curiosa. Como é
que o senhor Lionel ia entregar os pneus sem saber o endereço. Lembro-me que eu
e o outro rapaz ríamos da situação mesmo estando comprometidos em encontrar o
destino. Perguntamos tanto que encontramos. Missão cumprida!
Dei um trocado para o rapaz que me ajudou e partimos para Colón, a
cidade onde Lionel morava.
Começamos a conversar e descobri que ele serviu o exército logo após a
revolução cubana.
Contou-me sobre algumas passagens de sua vida como as duas vezes
que esteve na Ângola em missões. Contou que faz parte do Partido Comunista e
como a organização realiza suas reuniões locais para discutir as questões
sociais. Era a história, contada ao vivo, e não em livros, jornais ou revistas.
Eu estava muito satisfeito em conhecer aquele senhor que à medida que eu
o interrogava como um exímio jornalista, contava suas histórias enquanto
dirigia sua pick up 4x4 pelas pequenas estradas que cortavam as diferentes paisagens
campesinas. A tarde caía e ia ficando escuro.
Lionel me passou algumas instruções e me deixou em uma esquina em sua
cidade. Sinceramente não lembro o nome. Estava escuro e logo localizei um taxi
daqueles compartilhados. Eu era um dos primeiros a chegar e sem abrir a boca
esperava que mais pessoas chegassem. Mas na verdade estava ansioso para chegar
logo em Varadero e arrumar um lugar para ficar.
Cheguei perto do motorista e comecei a conversar. Ele perguntou de onde
eu era e quando falei que era brasileiro ele ficou contente. Perguntei se já
podíamos partir e ele disse que tinha que esperar só mais uma pessoa chegar. Eu
disse que não tinha problema. Eu pagaria por duas. Ele perguntou para onde eu
iria e quando eu respondi ele disse que poderia fazer um bom preço para me
levar para meu destino final. Ele deu uma enrolada e logo chegaram mais duas
pessoas.
Partimos para Cárdenas no começo da noite e algo inusitado acontecia. Eu
via grandes caranguejos atravessando a estrada. Pareci uma miragem e para ter
certeza eu perguntei ao motorista o que estava acontecendo. Ele disse que
aquilo era normal.
Caranguejos cubanos suicidas?!
Ao chegarmos o motorista perguntou se eu queria que ele me levasse por
um preço que não considerava mais duas outras pessoas no carro. Era como se eu
pagasse por todos. Eu agradeci e disse que pegaria outro transporte e pagaria
somente minha parte. Ele disse que eu tinha falado que pagaria o trecho por
dois. Sim, eu pagaria por dois para sair mais rápido. Mas para não perder meu
tempo discutindo dei o dinheiro e saí do carro.
Logo percebi um novo movimento de taxi para Varadero. Um sujeito alto e
forte, com chapéu de cawboi e cara de mal encarado arrebanhava as pessoas para
o seu carro. O trecho entre Matanzas e Varadero era mais curto, porém
mais caro graças ao apelo turístico.
Fiquei esperando e desta vez não cometeria o erro de mostrar que tinha
pressa. Fiquei ao lado do rapaz e de vez em quando fazia umas perguntas sobre a
cidade. Ele perguntou se eu tinha lugar para ficar. E eu disse que não. Ele
falou que poderia me indicar uma casa familiar. Sem mostrar muito interesse
disse que ele poderia me levar até lá, mas sem compromisso.
O rapaz perguntou se eu queria pagar para partimos naquele momento. Eu
disse:
-No, no te preocupes. Sin apuros...!
Ele percebeu que eu era osso duro de roer. E logo partimos.
Em menos de meia hora estávamos na frente da casa de uma senhora que
alugava um quarto.
Fomos recebidos pelo filho dela, Camilo que mostrou o a caminho do
quarto. Temendo que o cawboi me pedisse um dinheiro pela indicação dei logo o
dinheiro certinho em sua mão e segui Camilo. Ele ficou meio reticente, mas era
minha maneira de fugir da exploração a qual estava sendo alvo naquela tarde.
A dona Migdalia me passou o preço de 30 CUCs, mas eu disse que pensava
que era 25 CUCs. Ela disse que tudo bem. E assim fui feliz tomar um banho de
água quente como não fazia há uns dois dias. Lembro-me que a toalha branca
ficou até suja depois do banho. Fiz a barba, que tinha deixado crescer o que me
fez ficar com a cara de Che Guevara e que já coçava um pouco. Como estava bem
cansado coloquei o despertador para às 23hs e dei uma boa cochilada no quarto
limpinho, com televisão, frigobar, ar condicionado, ou seja, tudo o que eu
merecia.
Acordei renovado e querendo explorar Varadero. Parei numa lanchonete e
comi uma pizza com cerveja. Cheguei perto da praia, mas fiquei meio receoso de
explorar o local, pois não havia iluminação. Fui até um hotel para ligar para
casa. A ligação caiu na secretária eletrônica e deixei uma mensagem de feliz
aniversário a minha mãe.
Saí do hotel e resolvi buscar o movimento de um bar. Peguei um taxi,
desta vez um exclusivo e pedi para que ele me deixasse no agito de Varadero.
Cheguei a um bar chamado Calle 62 e como já estava recuperado do estômago não
hesitei em pedir um Mojito. O bar estava vazio, mas logo encheria. Fiquei na
mesa sozinho assistindo a banda tocar e continuando a beber, desta vez cerveja.
Conheci Chester Gutierrez, um fotógrafo que fazia suas fotos
aproveitando que aquele era um bar cheio de turistas estrangeiros. Logo já
estava conhecendo outras pessoas entre elas uma loira um pouco mais velha em um
vestido vermelho, assim como a sua sobrinha. O fotógrafo a conhecia e ela me
perguntava para onde eu iria as levar. Eu disse que elas que teriam que
sugerir, pois eu tinha acabado de chegar a Varadero.
Elas disseram que o point era em uma balada que ficava em um hotel e que
teríamos que tomar um taxi até lá. Beleza! Resolvi ir com elas. Na hora de
pagar o taxi mostrei todo o dinheiro que tinha, suficiente para o taxi, porém
mal dava para pagar minha entrada na balada.
Mas para mim estava tudo bem. Nem precisava entrar na balada, porém
parecia que elas estavam decididas a entrar. De repente chegou um rapaz e
perguntou se ela se lembrava dele. Parecia que não, mas ele começou a contar
que tinha ido morar na Alemanha, e começou a envolver Teresa.
Em menos de 5 minutos ele já estava as convidando para entrar e
certamente bancando a entrada das duas que sem cerimônias somente acenaram para
mim.
Senti-me traído! Saí andando dali como se tivesse tomado um choque de
realidade. Estava envolvido pela aparente simpatia da moça e pelo álcool que
corria em minhas veias e não pude perceber que de uma hora para outra poderia
ser trocado por qualquer outra pessoa que pudesse patrocinar a diversão da
noite.
Mas se ao mesmo tempo fiquei com raiva também me sentia orgulhoso por
não me deixar ser explorado. Caminhei de volta para a Calle 62 conheci um rapaz
com o qual fiquei bebendo e fumando por um tempo quando de repente acabou a luz
na cidade. O rapaz era taxista e foi fazer uma corrida. Com o bar já fechado eu
fiquei entre os funcionários que conversavam naquele breu.
Resolvi ir embora quando escutei na rua principal a aproximação de uma
moto. Quando olhei para
trás era um coco taxi. Não hesitei em fazer gesto para que
parasse e me levasse até a casa onde estava hospedado.
Filmei o trajeto muito alegremente e fechei com chave- de- ouro um dia
bem longo, cheio de aventuras. Queria dormir para acordar o dia seguinte bem
cedo para curtir a praia de Varadero.
Dia 8 – Varadero, dia 05 de novembro (segunda-feira)
“Em nenhum momento e em nenhuma circunstância um
comunista deve colocar os seus interesses pessoais em primeiro plano; pelo
contrário, ele deve subordiná-los sempre aos interesses da nação e das massas
populares. É por isso que o egoísmo, o relaxamento no trabalho, a corrupção, o
exibicionismo, etc, merecem o maior dos desprezos, enquanto que a entrega
desinteressada, o ardor no trabalho, devoção à causa pública, o esforço intenso
e tenaz merecem todo o respeito. Seja em que momento for, um comunista deve
estar pronto a persistir na verdade, pois a verdade concorda sempre com os
interesses do povo...”. Mao Tse-Tung, líder comunista chinês.
Nem precisei colocar o despertador par acordar bem cedo. Estava ansioso
para ver o mar do Caribe. Caminhei uma quadra e meia e atravessei a folhagem
que divide a areia da pequena rua que margeia a praia. Deparei-me com uma
mistura de cores frias, era como uma pintura em aquarela com pouco contraste
entre a cor do céu, do mar e da própria areia.
Nessa latitude, e nessa época do ano a noite vira dia em um ritmo mais
lento do que estou acostumado a ver no Brasil. Como era cedo a areia ainda
estava um pouco fria e pouquíssimas pessoas caminhavam pela praia. Eu estava
muito satisfeito em estar ali e com um grande sentimento de paz interior.
Fiquei alguns minutos admirando aquelas cores quando meu estômago me lembrou
que tinha que comer algo. Saí da praia e no primeiro negócio que encontrei
resolvi pedir um sorvete de massa de chocolate. Era um café da manhã incomum
para combinar com um amanhecer também incomum. Deliciei-me com o sorvete
e logo voltei para a praia.
À medida que caminhava o dia esquentava e as cores ficavam mais fortes.
O céu azul escuro, a água verde claro e a areia um bege claro. Com os pés na
água morna vi um lindo peixe transparente e achei incrível. Não menos
impressionante foi ver um único e belo pelicano fazendo incursões ao mar em sua
pescaria matutina.
Eu estava bobo rodeado de tanta beleza e caminhava sem a mínima pressa
com o objetivo de não perder nenhuma boa foto. Localizei bem longe uma
estrutura esportiva e resolvi ir até lá para conferir.
Na frente de um resort havia uma quadra de vôlei de praia. De um lado
uns rapazes loiros que pareciam ser do leste europeu. Do outro, pessoas que
tinham diferentes nacionalidades. O sol estava muito forte e por isso caprichei
no protetor. Resolvi pedir para jogar e fui bem recebido.
Aos poucos fui mostrando meu talento. Uma cortada ali, uma defesa acolá.
E os russos perguntaram qual era minha nacionalidade. Quando disse que sou
brasileiro eles fizeram aquela cara de que estava explicado. Nosso vôlei é
referência mundial!
Mas aos poucos eu torcia para que o jogo terminasse já que suava muito e
tinha medo que me queimasse demais. Assim que acabou a partida caímos na
maravilhosa água do mar e lá eu troquei uma ideia com dois cubanos, monitores
do resort. Perguntei como era o cotidiano deles e se por trabalharem no resort
tinham uma vida diferenciada do cubano comum. Eles disseram que não.
Raramente comiam o mesmo tipo de refeição dos hóspedes e que os salários também
não fugiam da média nacional.
Ao sair da água estava com muita sede e não havia nenhum lugar onde
pudesse comprar algo.
Resolvi dar uma de esperto. Percebendo que os hóspedes tinham uma
pulseira de identificação, enrolei a alça de câmera fotográfica no pulso e me
aproximei do bar localizado na própria areia da praia. Como o hotel tinha o
sistema all inclusive era só pedir a bebida. Aproveitando que
a maioria dos hóspedes ia de chopp peguei o meu. Encostei logo ao lado e
conheci um senhor Argentino que perguntou qual era o modelo da minha Nikon.
Um chopinho não era o suficiente. Pedi mais um e voltei a conversar.
Passado uns 10 minutos a ele se despediu e resolvi pegar meu último copo. Foi
quando o atendente desconfiou de mim e perguntou se eu era hóspede. Eu disse
que sim. Ele pediu para ver minha pulseira. Acabei admitindo que não estava
hospedado epedi para pagar pelos chopps. Porém ele disse que não vendiam.
Desculpei-me e resolvi sair à francesa.
Passei por uma escola de mergulho para verificar se haveria saídas
naquele dia, mas não havia.
Caminhei de volta pela areia e resolvi buscar algo para comer. Vi um
belo restaurante e tive a ideia de utilizar meu cartão de crédito pela primeira
vez em Cuba. Fui muito bem recebido e pedi para me cobrarem antes de me
servir para ver se meu cartão funcionaria.
Achei diferente eu não ter que digitar a senha para fazer a compra. Mas
de qualquer maneira percebi que com o cartão de crédito poderia afrouxar um
pouco meu controle financeiro.
Comi bem! Um peixe delicioso com camarões graúdos e tomei um suco de
abacaxi. Saí satisfeito e ao caminhar para fazer digestão fiquei com vontade de
fazer compras ao ver vários souvenires.
Comprei uma bandeira de Cuba, uns imãs de geladeira, bolsas para
presente etc. Levei as coisas para casa e resolvi prorrogar minha estada em
Varadero. Iria embora ao dia seguinte.
Ao sair de casa encontrei Chester, o fotógrafo da noite passada.
Trocamos uma ideia e logo ele teve que ir cobrir um evento. Ele disse que
talvez pudéssemos nos encontrar à noite no mesmo bar.
Fui até um banco para fazer um câmbio e logo resolvi embarcar no fim da
tarde no ônibus turístico double deck que dava uma boa volta
por Varadero. Fiquei no piso superior e comecei a ver o balneário por uma
nova ótica. O ônibus parou num ponto estratégico e fomos informados que
ficaríamos ali por 15 minutos. O sol ameno estava muito gostoso e para aguardar
em grande estilo aceitei uma Piña Colada trazida por um garçom
do restaurante mais próximo.
Continuamos o passeio voltando pela avenida principal com sentido a área
hoteleira. Fiquei impressionado com a quantidade de hotéis e à medida que
anoitecia o vento frio começava a incomodar. Grandes cadeias hoteleiras
internacionais estão representadas ali.
Depois do longo percurso cheguei à casa de dona Migdalia e vi Camilo
sentado tentando consertar uma cafeteira. Os cubanos são ótimos reparadores de
tudo devido à falta de peças de reposição.
Fui até o quarto pegar uma Cristal geladinha e sentei na varanda junto
com ele para conversar.
Ele me contou que era engenheiro e que serviu o exército utilizando sua
profissão. Contou sobre o avançado sistema de biotecnologia cubano, sobre os
principais parceiros comercias de Cuba e me mostrou o jornal cubano Granma comparando-o
com um jornal colombiano o qual um amigo o havia enviado. Mostrava quanto que
este último era poluído por publicidade e repleto de notícias trágicas. E em
contrapartida o cubano que além de notícias do mundo também tinha um ótimo
conteúdo sobre notícias locais. Em uma delas havia um comparação entre os
enormes estragos que o furacão Sandy tinha feito em Cuba com poucas vítimas e o
estrago que o mesmo fez nos Estados Unidos onde muitas pessoas morreram.
Enquanto conversávamos Camilo bebericava uma vodca escondido de sua mãe.
Eu estava cansado e resolvi dormir cedo para eu aproveitar mais um dia
naquele paraíso natural.
Dia 9 – Varadero / Havana, dia 06 de novembro (terça-feira)
"Esta
noite milhões de crianças dormirão na rua, mas nenhuma delas é
cubana". Fidel Castro.
Acordei mais cedo do que na manhã anterior para aproveitar ao máximo os
últimos momentos em Varadero. Comi umas torradinhas que tinha no quarto de dona
Migadalia e parti para a praia.
Sentei-me na areia e por algum tempo fiquei pensando na vida no Brasil e
nas histórias da viagem.
Resolvi caminhar para a esquerda, lado oposto ao que tinha ido o dia
anterior. Logo à frente vi um homem entrando no mar e jogando uma rede. Ele era
careca, usava uma camisa regata branca e bermuda jeans. Com paciência buscava a
pesca. Lembrei-me do livro de Ernest Hemingway , “O Velho e o Mar”. Comecei a
gravar um vídeo dele e logo que ele voltou para a areia o conheci puxando papo
sobre como estavam as condições para a pescaria.
Muito atencioso ele explicava sobre os melhores horários para pescar e a
dinâmica do mar.
Mostrava-me as gaivotas e como elas observavam os peixes para dar voos
rasantes e pescar sua comida.
Ao pescar um peixe pequeno ele destroçou-o e jogou ao mar como isca para
peixes maiores. À medida que íamos conversando ficou claro que ele pescava mais
por hobby do que para ganhar dinheiro com a atividade. Ele chegou a me dizer...
“um homem precisa ter um tempo do dia para si, para pensar na vida sem que nada
e ninguém o atrapalhe!”.
Conversamos um pouco sobre Cuba e sobre diversos outros assuntos
enquanto continuava a pescar. Histórias de pescador. Pescador cubano. Ele
emanava uma enorme paz interior e eu estava bem satisfeito em conhecê-lo. Foi
um daqueles encontros que só parecem ser viáveis quando viajamos.
Assim, nas areias de Varadero durante uma despretensiosa caminhada
despedi-me daquele homem de fala mansa e olhar sereno. E não por acaso seu nome
era especial: Jesus.
Nas praias paradisíacas de Cuba encontrei Jesus!
Aproveitei mais um pouco mais da praia e depois fiz minhas últimas
compras. Arrumei minha mochila que já estava com quase todas as roupas sujas.
Conversei mas um pouco com Camilo que me indicou um cabelereiro e os horários
das saídas dos ônibus.
Atravessei a rua e resolvi raspar meu cabelo para mudar o visual para a
continuação da viagem.
Voltei para a casa de dona Migdalia e agradeci a todos pela hospedagem.
Imaginei quando seria a próxima vez que visitaria Cuba. E se voltasse
certamente buscaria aquela casa para me hospedar mais uma vez.
Com a mochila nas costas e uma sacola cheia de lembranças fui em direção
ao banco onde faria uma nova troca de moedas. Quando chegava ao local fui
abordado por um taxista me oferecendo uma corrida para Havana. Eu disse que
iria de ônibus. Mas ele comentou que iria de qualquer maneira para a capital
buscar umas pessoas. Só por curiosidade perguntei o preço e ele me passou um
valor razoável, mas mesmo assim mais caro do que o ônibus. Resolvi fazer minha
oferta e disse que entraria no banco e voltaria a conversar com ele. Combinei
um valor um pouco acima do ônibus, mas que me faria ganhar tempo.
Ao sair do banco ele já me esperava para irmos a Havana.
No caminho pude ver um pouco mais da paisagem do litoral norte. Fiquei
curioso ao ver algumas máquinas de extração de petróleo e perguntei ao
motorista sobre o assunto. Ele me explicou que Cuba tem boa quantidade deste
combustível fóssil. A estrada tinha alguns desvios e a sinalização era bem
improvisada.
Ao nos aproximarmos do centro de Havana passamos pelo estádio
Pan-americano, que sediou as cerimônias de abertura e encerramento do Pan Americano
de 1991. No evento Fidel Castro entregou medalhas para diversos atletas
cubanos, que pela primeira vez na história superaram a hegemonia dos Estados
Unidos ganhando mais medalhas de ouro, e também à seleção brasileira feminina
de basquete que venceu as cubanas na final.
Entramos no Túnel de La Havana, o único existente na cidade
e que é considerada uma das sete maravilhas da engenharia cubana, inaugurado em
1958. Ao ouvir que o túnel passa por debaixo do mar lembrei-me da “lenda” do
túnel que ligaria Santos ao Guarujá e que ainda hoje não saiu do papel.
Ao som do Reggaeton o taxista me deixou em frente ao museu de Belas
Artes. Agradeci e resolvi ir direto para a casa do Ernesto para
aproveitar os últimos momentos em Cuba junto com meu amigo. Peguei outro taxi e
fui pra lá!
No bairro do Ernesto passei por praças e vi crianças voltando da escola,
outras jogando futebol.
Há por ali várias embaixadas de diversos países. Ao chegar fui recebido
como um grande viajante.
A mãe do Ernesto se ofereceu para colocar minhas roupas para lavar e eu
aceitei. Acho que
calculei mal a quantidade de roupas que levei. Foram cinco noites e
apenas uma pequena mochila de roupas. Na verdade não tinha a certeza de quanto
tempo ficaria fora de Havana.
Dona Raquel começou a preparar um jantar típico cubano e à medida que o
tempo passava a fome aumentava. Dei a Ernesto um CD do sambista “Diogo Nogueira
em Cuba” e ele me transferiu uma coletânea de clipes musicais cubanos para
o pendrive que eu havia levado.
A companhia era ótima e o jantar estava maravilhoso, mas mesmo assim me
policiei para não comer demais já que sairíamos com os amigos de Ernesto a
noite. Ele, porém, comeu muito. Dona Raquel comentou que ele estava de regime,
não comia quase nada durante o dia, mas comia muito a noite. Disse a ele que
pelo que eu sabia essa não era uma boa estratégia.
Conversamos sobre minha viagem, as aventuras de Trinidad e Taguasco e a
beleza do mar de Varadero. Foi quando Ernesto me explicou que aquele mar não
fazia parte do Mar do Caribe, mas sim do Oceano Atlântico. Fiquei
desapontado... Como assim? Não mergulhei no Mar do Caribe?
Os amigos chegaram, e assim, saímos a pé buscando diversão pela noite.
Paramos em um complexo de bares e ficamos conversando e bebendo uma torre de
chopp. Um dos amigos de Ernesto, Alexei, estava com sua esposa e já tinha
trabalhado em navios da MSC como cabelereiro. Ele tinha um salão na cidade e
Ernesto disse que me levaria lá no dia seguinte para que ele reparasse os
defeitos do corte que fiz em Varadero.
O pessoal era bem animado. Mas por volta da meia noite os bares
começaram a fechar. E assim tivemos que voltar a caminhar em busca de outras
opções. Entramos em uma lanchonete e continuamos a bebedeira. Para eles já era
o suficiente. Para mim, que queria aproveitar minha última noite cubana e
conhecer alguma casa noturna mais agitada tive que me conformar e aproveitar a
companhia.
Não tão tarde, voltamos para casa. Uma longa caminhada. Ideal para
desabar e dormir. Dividi a cama de casal com Ernesto sem nenhum
constrangimento. Afinal, Ernesto é o meu irmão cubano!
Dia 10 – Havana/Bogotá, dia 07 de novembro (quarta-feira).
"Lutam
melhor os que têm belos sonhos." – Che Guevara
Acordamos cedo para aproveitar meus últimos momentos em Cuba. Liguei
para meu primeiro guia, o Xaveco para encontra-lo e me despedir. Já havia
tentado contatá-lo alguns dias antes, porém não obtive sucesso. Por sorte
naquele dia consegui. Combinamos de nos encontrar por volta das 10hs em frente
ao Hotel Nacional.
Separei na minha mochila algumas roupas para lhe presentear. Entre elas
a outra camisa do Brasil amarela e a minha canga, toda colorida com o desenho
das fitinhas do Senhor do Bonfim, que a esposa dele tinha gostado. Saímos a pé
e passamos em um lugar onde Ernesto pegaria umas coisas de informática. Comprei
uma linda mochila de couro com a bandeira cubana para presentear meu pai e
continuamos a caminhada. Pelo caminho Ernesto me levou dentro de uma farmácia e
me mostrou os remédios que eram distribuídos gratuitamente à população.
Logo estávamos em frente ao famoso hotel e avistamos Xaveco
impecavelmente vestido a caráter. Óculos espelhados, calça jeans e camisa de
gola. Foi uma imensa satisfação revê-lo e apresentá-lo a Ernesto. Estavam
reunidos os meus dois guias.
Fiz minha última troca de moeda e entreguei a Xaveco a sacola com as
roupas. Ele ficou muito feliz com a camisa amarelinha. Disse que seria mais
fácil conseguir contato com brasileiros ao vesti-la.
Distanciamo-nos do hotel e ficamos conversando algum tempo. Xaveco vivia
a euforia da mudança da Lei da Imigração e com ela possibilidade de sair de
Cuba para tentar uma vida fora do país. Do outro lado, Ernesto, com ampla
experiência internacional não tinha censura ou receio ao falar que teve que
conhecer o mundo para poder valorizar cada vez mais a Ilha.
Mas aquele era um encontro memorável de três pessoas com expectativas
distintas, mas com muitas coisas em comum. Dentre elas o conhecimento de
idiomas e o turismo como atividade de vocação e subsistência.
Xaveco tinha um compromisso e não podia ficar muito tempo. Com toda a
gratidão e esperança em um dia reencontra-lo, dei-lhe um forte abraço e mandei
um beijo para sua família. Tinha certeza que ao receber a canga Lizandra não
veria a hora de ir para a praia estrear a canga.
Seguimos a caminhada e Ernesto resolveu me levar à famosa sorveteria
Coppelia. Pedimos nossos sorvetes e curtimos uma das mais comuns atividades de
lazer dos cubanos: tomar sorvete e ver as pessoas e o tempo passar. Pura
nostalgia!
Logo, conhecemos três espanholas que tentavam se localizar em um mapa.
Ao dar algumas instruções decidimos que iríamos ao cemitério. Ernesto tinha me
falado que era bem bonito. As garotas seguiram seu caminho e nós o nosso. Perto
do cemitério paramos no La Pelota, um bar decorado por fora com imagens de
jogadores de beiseball. Fiz questão de entrar e tomar uma cerveja. Pedi uma da
marca Polar para experimentar.
O ambiente era peculiar. Extremamente masculinizado e com fotos de
estrelas do beiseball.
Dentre elas, algumas com Fidel, Guevara e Camilo Cienfuegos. Vestiam uma
camisa com o nome “Barbudos”. Ernesto me contou um pouco da história do esporte
em Cuba que é o maior vencedor de todos os tempos em competições como
Olímpíadas e Mundiais. Os grandes rivais são Estados Unidos e o Japão.
Estávamos bem perto do cemitério e ao entrarmos a surpresa foi grande!
Se eu achava o cemitério da Recoleta em Buenos Aires bonito, aquele era
espetacular! Era um museu a céu aberto muito bem cuidado e rico. Parecia que
toda a opulência ausente na cidade estava concentrada na área do cemitério.
Incrível! Estátuas, mármores, jazigos das mais diversas crenças conviviam em
plena harmonia em um ambiente tranquilo e agradável. Totalmente diferente da
maioria dos cemitérios. Valeu a pena!
Continuamos a caminhar, pois Ernesto estava decidido em me levar para
reparar meu cabelo no salão do seu amigo Alexei. Demos uma passada por lá e
novamente passei a máquina na cabeça.
Voltamos para casa para que eu pegasse minhas coisas.
Dona Raquel agendou um taxi e tive que partir para o aeroporto com
aquele sentimento de alegria misturado com tristeza. Que bela viagem! Que pena
ter que deixar este país!
Antes de entrar no aeroporto, a pedido do taxista tive que fingir ser
seu amigo já que só eram permitidos transportar turistas aos aeroportos taxis
credenciados. Paramos próximos a policiais e quando saí do carro o
taxista me disse em voz alta:
- Mande um abraço pro Juan, viu! Não se esqueça!
-Si, si, claro! Respondi.
E saí rindo da última cena em Cuba.
No aeroporto casualmente achei o que não havia encontrado durante toda a
viagem. A bandeirinha cubana para bordar. Gastei meus últimos pesos e embarquei
feliz para a Colômbia com a sensação de missão cumprida e vivida intensamente!
Reflexões pós viagem
Cada vez mais me convenço que devemos fazer as coisas que almejamos
assim que temos a oportunidade. Muitas vezes, achamos que poderemos completar
nossas aspirações no futuro, mas a vida nos apresenta barreiras que dificultam,
inviabilizam ou limitam o número de aspirações realizadas.
O planejamento de minha viagem a Cuba já estava maduro o suficiente. O
momento tinha que ser aquele. O país passa e passava por mudanças
significativas com resultados imprevisíveis. Seu maior líder, Fidel
Castro, com sua saúde debilitada, parecia ter sua morte iminente. As reformas
políticas que seu irmão Raúl Castro vem implantando visam melhorias mas, se não
forem implantadas paulatinamente, podem trazer os malefícios do capitalismo
selvagem e o país nunca mais seria o mesmo.
Realmente o cubano não tem uma vida fácil. A comida é racionada, as
condições de saneamento básico são muito precárias e neste cenário, a maioria
dos cubanos parece sufocada pela estagnação do país.
O Turismo é uma das poucas atividades que captam divisas, porém poucos
cubanos se beneficiam dela ou se relacionam com os turistas.
Um cubano comum não tem acesso a muitos locais frequentados por turistas
internacionais. O embargo econômico decretado pelos Estados Unidos é realmente
cruel e é o maior motivo do “atraso” econômico do país.
Durante a viagem descobri e confirmei vários fatores que levaram os
Estados Unidos a se sentirem ameaçados e temerem o progresso do país.
Posso citar o sucesso do desenvolvimento social e o socialismo como
modelo concorrente ao capitalismo. Cuba conseguiu reverter através do
socialismo uma situação muito grave de violência, analfabetismo e corrupção em
poucos anos após a revolução. Como citei anteriormente, praticamente não há
analfabetismo no país.
Simbolicamente, o desempenho esportivo da pequena ilha também é uma
demonstração de força. Cuba superou diversas vezes os americanos em um dos seus
esportes mais populares, o beisebol e no Pan Americano de 1991 (sediado em Cuba),
superou a potência do norte. Fato sem precedentes!
Acredito que uma abertura econômica e a maior entrada de bens de consumo
poderia abalar o sistema socialista implantado à medida que as pessoas passem a
ser mais materialistas. Com a ganância das pessoas, emerge a corrupção, a
exploração e o crescimento das desigualdades sociais.
Uma das coisas que mais me deixou perplexo é não ter visto nenhum
mendigo nas ruas. E olha que eu caminhei bastante!
Fiquei dez dias em Cuba. Eles não são suficientes para tirar conclusões.
Mas também acho que tirar conclusões não é o que deve ser feito.
Creio que me iludi ao pensar que eu teria a certeza de que após a viagem
a Cuba eu tiraria uma conclusão precisa sobre se o socialismo vale ou não à
pena. Mas, ainda assim, conhecer o país me fez refletir sobre como vivo e como
poderia viver minha vida.
A impressão que tive é a de que é mais fácil Cuba, através de reformas
cuidadosas e gradativas encontrar uma alternativa em um modelo viável, entre o
socialismo e o capitalismo, do que um país capitalista como o Brasil elevar seu
nível de desenvolvimento humano e diminuir o abismo financeiro e social entre
ricos e pobres.
Tenho certeza de que Cuba é um país simpático para muitos outros países
e, também, de que seus líderes são convictos e buscam o bem estar da população
independentemente de adotarem políticas anticapitalistas.
Cuba é parecida com o Brasil em muitos aspectos e alguns fatores, como o
clima quente, promovem tantas similaridades. A escravidão de negros africanos é
um fato histórico, assim como em nosso país. As consequências são
evidenciadas na dança e na música, na culinária e na religião.
Por essas similaridades, acredito que se eu decidisse morar no país me
adaptaria tranquilamente. O único grande problema seria se tivesse dificuldade
de comunicar-me com o mundo e tivesse a restrição de sair da ilha caribenha,
como a grande maioria tem.
Na parede do meu quarto toda vez que vejo a bandeira cubana um
sentimento de carinho e gratidão me envolvem. Apesar de não querer tirar
conclusões, tenho a convicção de que o maior ideal do socialismo, a igualdade
sócia,l é um objetivo legítimo.
Se o sonho americano não se tornou realidade, para mim, valeu a pena
vivenciar Cuba: um sonho caribenho.
Espero que este sonho se torne realidade ou pelo menos nunca deixe
de ser sonhado!
Nelson Rodrigues
estava certo: “Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea”.
Ou, conforme Che
Guevara: “Valle, pero milliones de veces más, la vida de um solo ser humano que
todas las propriedades del hombre más rico de la Tierra.”
Algumas Referências:
Guia de Viagem
Lonely Planet
Breve História
de Cuba – De Colón al Siglo XXI
Breve História de Cuba – De Colón al Siglo XXI
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